Os nazistas eram socialistas?: uma brevíssima resposta

A inscrição lê, em alemão, “Dia do Trabalho, 1934”.
A imagem é frequentemente divulgada por grupos da direita política – nos EUA, Brasil e outros países –
como eviência de que o Nazismo teria sido, na verdade, um movimento socialista e não de extrema direita.

Gibson da Costa

 

O contexto dessa atual “discussão” (ou seria acusação?!) nas redes sociais é o conflito por legitimação política de grupos que se identificam como “direita” no Brasil. Se vocês prestarem muita atenção aos textos que são divulgados online sobre o assunto – e estou pensando em sites como os do Instituto Mises e do Ilisp –, e analisarem quem os escreveram, onde, quando e suas razões, verão que suas conclusões atendem aos seus próprios interesses partidários.

Mas, permitam-me fazer algumas observações:

Apesar de o nome do partido nazista ter sido “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães”, dizer que o mesmo era um partido “socialista” simplesmente por causa do nome é como dizer que “Little Brazil”, em Manhattan, seja uma parte da República Federativa do Brasil simplesmente por causa de como é chamado!

O nome do partido foi uma estratégia política para lidar com as oposições socialista e comunista, arrastando os “trabalhadores” alemães para as fileiras nazistas. No Brasil houve estratégias semelhantes, no que se refere a nomes de partidos: Getúlio Vargas fundou o Partido Trabalhista Brasileiro, ao fim de sua ditadura marcada pelo anticomunismo – ele era socialista simplesmente porque utilizou o termo “trabalhista” no nome do partido que fundou? Claro que não! O nome que deu ao partido foi simplesmente uma tática de propaganda para enfraquecer as oposições comunista e socialista; atualmente, o PFL, depois de uma história de rejeição por conta de seu passado, se refundou em 2007 como “Democratas” – percebem que o nome pode fazer com que pessoas menos informadas criem uma conexão entre o DEM e o Partido Democrata americano?; o PSDB é o Partido da Social Democracia Brasileira – e vocês poderiam se perguntar: “social democracia”? Sério?!

Então, supor que os nazistas formassem um partido “socialista” simplesmente porque os termos “socialista” e “trabalhadores” aparecem em seu nome é fechar os olhos para as táticas políticas utilizadas para conquistar apoio eleitoral ou miliciano. Na verdade, o nazifascismo como um todo e o nazismo em particular são temas que merecem muito mais cuidado do que essa simplificação de “direita” versus “esquerda”. Eugen Weber, por exemplo, chamava essas classificações do fascismo como “direita” ou “esquerda” de estereótipos anacrônicos – e eu não poderia pensar em melhor qualificativo! O nazismo encontra suas origens ideológicas em variadas tradições, tanto em termos de ligações diretas quanto em conexões aleatórias. Como afirmam Peter Davies e Derek Lynch, os nazistas souberam “identificar, cooptar e perverter ideias e conceitos para seu próprio uso e para fins de credibilidade” (2002: 90).

A tolice dos comentários expostos em sites como os do Instituto Mises ou do Ilisp é que se tratam de observações presas a perspectivas econômicas anacrônicas – ou seja, além de limitarem um tema tão amplo a questões econômicas, projetam sobre o passado circunstâncias e questões do presente, desconsiderando os contextos dos atores históricos daquela época. A retórica utilizada – seguindo a mesma lógica dos livros didáticos de história da década de 1980, por exemplo – tenta criar uma oposição entre “socialismo” e “capitalismo” no que tange a aspectos econômicos. Entretanto, o nazifascismo não possui uma relação de origem direta com a economia em si, mas sim com o nacionalismo de Estado e tudo o que ele significava (ao menos de acordo com um grande número de autores, como Weber, Mann, Mommsen, Siegelbaum, Lüdtke, Hoffmann, Geyer, Lynch, Thorpe, Paxton, Griffin etc).

Ademais, os próprios autores desses textos divulgados nos sites da neodireita brasileira não demonstram uma compreensão histórica do termo “capitalismo”. Ser contrário ao “capitalismo”, no contexto do entreguerras, não significava ser “socialista”. “Capitalismo” se referia a um sistema regido pelas corporações, o discurso desses líderes políticos nacionalistas europeus enfatizava a lealdade à “nação”; ou seja, criavam uma oposição entre “nação” e “corporações” – atualmente, o mesmo conceito se encontra, por exemplo, na retórica de Donald Trump. Independentemente do nome que se dê às posições políticas de certos atores (direita, esquerda, liberal, socialista, anarquista, comunista etc), se se opunham ao domínio de corporações, eles se declaravam anticapitalistas!… Mussolini e Hitler são exemplos claros disso nos movimentos ultradireitistas.

A faixa diz, em alemão, “Morte ao marxismo”.

Por que, então, o nazifascismo é identificado como sendo de direita, mesmo possuindo certos traços aparentemente socialistas?

Retomo a adjetivação utilizada por Eugen Weber para se referir a essas classificações dos movimentos fascistas como sendo de “direita” ou “esquerda”: tratam-se de estereótipos anacrônicos!… A obsessão com seu uso, como bem demonstram os sites de propaganda da neodireita brasileira, parece ter mais a ver com legitimação política do que com historiografia.

Entretanto, há várias razões para identificar os movimentos fascistas como “[ultra]direitistas”. Uma delas é o simples fato de tanto os grupos que lideravam esses movimentos quanto o cerne das ideias que defendiam ter tido suas origens naquilo que se chamava de “direita”. O vocabulário que buscava falsear os conceitos utilizados por socialistas – “socialismo”, “trabalhadores” etc – mascaravam o fato de ideias e conceitos socialistas terem sido pervertidos para que os partidos fascistas encontrassem legitimidade dentre o eleitorado e as organizações trabalhistas. Dentre suas bandeiras, encontravam-se: a compreensão da “nação” como uma entidade orgânica, integral e transcendente, que deveria ser defendida de seus inimigos internos e externos; a preocupação com o vigor nacional e sua defesa contra elementos que o pusessem em perigo; a noção de destino especial; a preocupação com pureza racial; o anti-intelectualismo; um comunitarismo necessário àquela compreensão de “nação” etc.

Sim, é verdade que nazifascistas e comunistas partilhavam de muitas ideias, mas quando estudamos a história política, não avaliamos os atores apenas com base no vocabulário que utilizam ou nas noções que dizem defender – avaliamos, principalmente, suas ações, quem eram, com quem se associavam, quem perseguiam etc. E é com base nisso que o nazifascismo tem sido caracterizado como de “direita” – independentemente do quão anacrônicos e inapropriados sejam os termos “direita” e “esquerda”.

 
 

Referências citadas:

DAVIES, Peter; LYNCH, Derek. The Routledge Companion to Fascism and the Far Right. Nova York: Routledge, 2002.

WEBER, Eugen. Revolution? Counterrevolution? What Revolution?. In: Journal of Contemporary History, Vol. 9, No. 2 (Apr., 1974), p.3-47.

 
 

Autor: Gibson Da Costa

Professor e ministro religioso, com formações nos campos de Ciências Econômicas, Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Psicologia, Relações Internacionais e Teologia.