Pensando em voz alta sobre o mito do Afeganistão

Há séculos uma utopia alienígena tem dominado os anseios dos pretensos conquistadores dos pashtuns e dos daris: a formação dum Estado nacional chamado Afeganistão. O erro que os impérios britânico e russo do século XIX, e os impérios soviético e americano do século XX, assim como o Paquistão, cometeram foi o de querer transformar múltiplas sociedades tribais num Estado-nação.

O próprio Talibã, que agora retorna ao “poder” (poderíamos até debater o sentido desse termo para os diferentes povos que habitam o “Afeganistão”), cometeu o mesmo erro: por influência soviética, americana e paquistanesa, sonhavam em construir um Estado nacional que neutralizasse as diferenças socioculturais das variadas tribos ao redor duma noção muito específica de Islã. O antiamericanismo nunca foi seu credo – até porque eles foram criados pelo Império Americano –, a construção duma nação sim. Entretanto, desde o século XVIII, o Afeganistão nunca foi uma nação: tem sido, no máximo, e sob mão de ferro, apenas uma confederação de tribos que partilham duma identidade pashtun (e às outras etnias tem restado apenas a submissão).

O Estado-tampão do século XIX, que servia apenas aos interesses dos impérios russo e britânico, tornou-se – no século XX – uma anedota monárquica para as classes urbanas de Cabul. Como no caso da Pérsia/Irã, a monarquia e sua modernidade serviam apenas como fantoches para o imperialismo europeu. A monarquia constitucional, o liberalismo, o comunismo, e todas as demais ideologias ocidentais representavam uma traição. A imprensa ocidental que cobriu a primeira tomada do poder pelo Talibã não compreendia que o problema não era apenas o violento fanatismo político com máscaras de religioso; era, mais ainda, a imposição duma identidade cultural e duma entidade política indesejada – afinal, nem todos são pashtuns, e nem todos desejam fazer parte duma nação pashtun naquilo que os outros chamam de Afeganistão.

O Afeganistão talvez seja o maior símbolo de fracasso do modelo ocidental de Estado-nação. Enquanto um Estado multinacional, como o Brasil, quase conseguiu convencer seus cidadãos a aderirem ao mito do Estado-nação (alguns dos povos originários ainda resistem), no Afeganistão, até hoje, o mito só foi imposto à bala e à espada…

Autor: Gibson Da Costa

Professor e ministro religioso, com formações nos campos de Ciências Econômicas, Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Psicologia, Relações Internacionais e Teologia.