Ser professor nos EUA

Por que este texto?

 

Participei, em agosto de 2020, dum encontro online, promovido por uma IES (instituição de ensino superior) brasileira, com um grupo de pós-graduandos, sobre a Educação Básica nos EUA. Naquele encontro, respondi a várias questões sobre como funciona o dia a dia nas escolas, alguns aspectos sobre o currículo e como se adentra a carreira docente na Educação Básica. Prometi, então, que complementaria aquelas informações com mais detalhes sobre o que discutimos naquele encontro virtual – quando, por limite de tempo, não pude responder a algumas das questões levantadas. Este texto é o cumprimento daquela promessa.

Antes de iniciar, contudo, é importante uma contextualização pessoal. Minha formação inicial como professor ocorreu nos EUA, não no Brasil. Assim, quando me mudei para o Brasil, já era professor formado e com alguns anos de experiência, e tive de passar pelo processo oposto do que descrevo neste texto: isto é, me qualificar para poder ensinar no Brasil – processo tão complexo quanto o de um professor formado no exterior que venha a ensinar nos EUA. Como já passei pelo mesmo processo em outros dois países, sei o quão frustrante e demorado pode ser – mas, como se trata da educação de crianças e jovens, creio que deva ser assim mesmo.

Obviamente, este não é um texto acadêmico, mas utilizarei numeração dos tópicos para facilitar a organização dos mesmos. O texto é longo, mas se você estiver interessada/o no assunto, tenho certeza de que não se importará com isso. Os tópicos estão divididos da seguinte forma:

  1. EXIGÊNCIAS BÁSICAS

  2. O ENSINO SUPERIOR AMERICANO

    2.1 Graduação

    2.2 Pós-graduação

  3. CERTIFICAÇÃO PARA ENSINAR

    3.1 Passos a seguir

  4. CONSEGUINDO UM EMPREGO COMO PROFESSOR

  5. SALÁRIO

  6. COMO CONCLUSÃO…

  7. UMA OBSERVAÇÃO POSTERIOR

Espero que o que escrevo aqui possa, de alguma forma, ser útil tanto aos participantes daquele encontro virtual quanto aos demais leitores e leitoras interessados.

1. EXIGÊNCIAS BÁSICAS

As exigências para ser professor do correspondente americano à Educação Básica brasileira depende de Estado para Estado (e pode haver uma ou outra alteração entre diferentes Distritos Escolares). Contudo, a formação inicial mínima, em todos os Estados, para ter acesso à certificação inicial para ensinar crianças e/ou adolescentes é uma graduação plena (o correspondente a bacharelado/licenciatura, e não um título de tecnólogo) numa área específica e com componentes curriculares pedagógicos – a exceção à graduação plena é geralmente feita apenas a assistentes de professoras/es de Educação Infantil, cargo que exige apenas uma graduação correspondente ao que no Brasil seria uma graduação tecnológica, numa área específica da Educação.

A licenciatura brasileira – com 4 anos de duração mínima –, em teoria, cumpriria boa parte da exigência básica de formação acadêmica da maioria dos estados americanos, já que o graduado possuiria formação num campo específico, além duma formação pedagógica. Mas, a depender do estado americano, poderia haver exigências extras quanto aos componentes pedagógicos do currículo universitário do candidato (já que o sistema educacional americano é muito diferente do brasileiro). Além disso, pode haver exigências quanto à formação específica, já que, muitas vezes, os professores, nas escolas americanas, são professores de áreas e não de “disciplinas” (isso também ocorre em países como o Canadá e o Reino Unido, por exemplo).

Explico o que escrevi acima: eu sou um professor da área chamada “Social Studies” (Estudos Sociais – não duma disciplina chamada “Estudos Sociais”, mas duma área que inclui História, Geografia, Sociologia, Economia, Política, Antropologia, Introdução ao Direito etc), o que significa que, na maioria dos estados, minha formação tem de me habilitar para ensinar ao menos dois componentes curriculares (“disciplinas”, “matérias”) da área. No Brasil, por outro lado, a formação do professor geralmente o habilita a ensinar apenas um componente curricular – mesmo considerando que seu aprofundamento de formação naquele campo específico possa ser mais amplo do que o de alguém graduado nos EUA, já que só teria (afora os componentes pedagógicos) se graduado num único campo.

Contudo, independentemente da formação, o caminho a seguir depende do perfil da(o) candidata(o): isto é, se você acabou de sair do Ensino Médio e quer ser professor, seguirá uma trilha; se você for um profissional de nível superior de outra área e decidiu mudar de carreira para atuar na educação, seguirá um caminho diferente; se você, ainda, vier de outro país (como o Brasil), poderá ter de seguir passos adicionais, a depender da formação e da experiência. Minha preocupação, aqui, é com brasileiros que já cheguem aos EUA com formação superior em Licenciatura de qualquer área.

Como a estruturação de cursos superiores nos EUA é um tanto diferente daquela de cursos superiores no Brasil, começarei com uma explicação dos cursos universitários americanos, antes de tratar do processo para conseguir uma certificação para ensinar.

2. O ENSINO SUPERIOR AMERICANO

A educação superior americana, no nível correspondente à graduação brasileira, está dividida em cursos de curta duração (chamados de “Associate degrees”), que correspondem ao que no Brasil é chamado de cursos superiores de tecnologia (tecnólogos); e os cursos de graduação plena (chamados de “Bachelor degrees”), que correspondem aos bacharelados/licenciaturas brasileiros.

Um estudante pode se graduar em apenas um campo – como no Brasil –, e assim conseguir um grau de “Bachelor of Arts in History” (Bacharel de Artes em História), por exemplo. Mas também é comum que alguém se forme em mais de um campo ao mesmo tempo. Assim, há um sistema de graduações com “major” (o campo principal de formação) e “minor” (o campo secundário). Ou seja, alguém poderia combinar História e Geografia, ou Economia e História, por exemplo – com o “major” sendo o campo no qual mais concentrou seus estudos. Esse tipo de graduação interdisciplinar existe no Brasil, mas ainda é pouco comum.

Diferentemente do que ocorre no Brasil e na maioria dos países do mundo, a graduação americana não corresponde a um título profissional. Assim, para ser advogado, médico, psicólogo, engenheiro, bibliotecário, assistente social, contador, economista, sociólogo, antropólogo, historiador, ministro religioso/sacerdote etc, não é suficiente ter uma graduação. A pessoa tem de continuar sua educação e alcançar pelo menos um mestrado profissional naquela área. Assim, um mestrado profissional é o grau básico para exercer a maioria das profissões liberais regulamentadas (ou seja, para exercer uma dessas profissões, o candidato terá de passar pelo menos 7 anos no Ensino Superior: 4 anos de graduação e mais 3 anos de mestrado) – também existe o Mestrado acadêmico, geralmente para quem deseja continuar seus estudos num Doutorado. E alguém com essa formação de profissional liberal é chamado, em inglês americano, de “professional”.

Nos casos específicos do Direito e da Medicina, a pós-graduação é chamada de Doutorado, mas trata-se dum doutorado profissional ao qual o candidato pode ter acesso logo após a graduação, se conseguir passar nos exames de admissão. Assim, os títulos de Doctor of Medicine” [Doutor em Medicina] (M.D.) ou de Juris Doctor” [Doutor em Direito] (J.D.), nos EUA, não são títulos especificamente acadêmicos, mas profissionais. (Um pesquisador acadêmico em Direito ou em Medicina geralmente possuirá o título de “Ph.D.” [Doutor em Filosofia], título que significa que a pessoa desenvolveu pesquisa acadêmica, escreveu e defendeu uma “dissertation” (dissertação) de doutorado – que, no Brasil, é chamada de “tese”.)

2.1 Graduação

Os títulos de graduação mais comuns são (há outros menos comuns):

  • Associate of Arts (A.A.) → grau tecnológico na grande área das humanidades, ciências sociais aplicadas etc – curso com duração média de 2 anos;

  • Associate of Science (A.S.) → grau tecnológico na grande área das ciências naturais, físicas ou matemáticas – curso com duração média de 2 anos;

  • Bachelor of Arts (B.A.) → bacharelado na grande área das humanidades, ciências sociais, ciências sociais aplicadas etc – curso com duração média de 4 anos;

  • Bachelor of Science (B.Sc.) → bacharelado na grande área das ciências naturais, físicas ou matemáticas – curso com duração média de 4 anos.

Entretanto, a descrição acima é apenas uma generalização. Por exemplo, um título ser em “Arts” ou “Science” não aponta, necessariamente, para a área de formação. Muito frequentemente, pode significar apenas o tipo de trabalho de conclusão de curso. Alguém poderia ter um grau, por exemplo, de “Bachelor of Arts in Physics”, e isso possivelmente significaria que a pessoa além de ter se concentrado em Física, teve de escrever uma “thesis” (correspondente à “monografia” de graduação brasileira, e não à “tese” de doutoramento) que demonstrasse domínio teórico. Se o título fosse “Bachelor of Science in Physics”, por outro lado, poderia significar que o trabalho de conclusão de curso foi mais prático e exigiu um artigo e não uma monografia. Mas isso depende muito de cada instituição e de cada programa na qual a pessoa se forme – muitas vezes o título concedido depende da tradição da instituição, não tendo nada a ver com a natureza do curso ou do tipo de trabalhado exigido para a concessão do grau.

O que é importante notar, para professores brasileiros, é que não existe um título de graduação chamado de “licenciatura”. Ou seja, não há as especificidades, que existem no Brasil, entre os graus de “Bacharel” e “Licenciado” – isto é, a diferença não está no título (o nome do grau obtido), como no Brasil, mas no conteúdo (o curso concluído tem de conter componentes curriculares pedagógicos). Até porque a formação em si não garante que alguém possa ensinar. Para ser professor, além da formação acadêmica, o candidato precisa de uma licença específica (geralmente chamada de “certificação”) concedida pelo Estado – que, diferentemente da Licenciatura brasileira, não é automaticamente permanente; há todo um processo burocrático para a obtenção duma licença temporária e, posteriormente, duma progressão até a obtenção da permanente, o que pode incluir passar por provas que testam o conhecimento de área e pedagógico do candidato. Mas tratarei disso mais adiante.

Isso se diferencia do caso brasileiro porque, no Brasil, uma vez se tenha obtido um grau de Licenciada/o a pessoa está legalmente apta a ensinar (por isso se chama “licenciatura”, ou seja, o Estado concede ao formando, através da instituição de ensino, a “licença” para ensinar) – e esta permissão é, normalmente, vitalícia. Nos EUA, assim como no Canadá e no Reino Unido, por exemplo (na verdade, na maioria dos países anglófonos ditos “centrais”), não há conexão entre formação universitária e “licença” automática para ensinar – e isso também ocorre com todas as outras profissões regulamentadas.


2.2 Pós-graduação

No que tange à pós-graduação, os títulos acadêmicos mais comuns (lembre-se de que há títulos profissionais, destinados a quem quer exercer profissões específicas) são:

  • Master of Arts (M.A.) → título de mestrado geralmente na grande área das ciências humanas, sociais aplicadas etc – entretanto, o uso é variável, como descrito acima, no caso da graduação; média de duração: 2 anos;

  • Master of Science (M.Sc.) → título de mestrado geralmente na grande área das ciências naturais, físicas e matemáticas – entretanto, o uso é variável, como descrito acima, no caso da graduação; média de duração: 2 anos;

  • Doctor of Philosophy (Ph.D.) → título de doutorado mais comum, podendo ser em qualquer área – literalmente, significa, “Doutor/a em Filosofia”, o que deveria significar que a pessoa fez uma contribuição significativa para sua área; média de duração: 4 anos (Há um equívoco entre alguns brasileiros quanto ao uso do título de “Ph.D.”. Saliento que o título de “Ph.D.” não se refere a um pós-doutorado – já que o chamado pós-doutorado não é um curso, mas um estágio de pesquisa após o doutoramento);

  • Doctor of Science (Sc.D.) → título de doutorado específico para a grande área das ciências naturais, físicas ou matemáticas (este é pouco comum nos EUA, já que muitos acadêmicos dessas áreas recebem o título de Ph.D., que é o doutoramento mais comum); média de duração: 4 anos.

Alguns dos títulos de pós-graduações profissionais mais comuns são:

  • Master of Education (M.Ed. ou Ed.M.) → é o título de mestrado profissional voltado à área de educação, geralmente exigido daqueles que desejam exercer funções de ensino a alunos portadores de necessidades especiais, gestão, orientação, supervisão e coordenação em escolas e bibliotecas escolares; pode ser o caminho, a depender do Estado ou do Distrito Escolar, para quem deseja ensinar na Educação Básica, mas não teve formação pedagógica no curso de graduação; média de duração: 3 anos – inclui estágios obrigatórios;

  • Master of Business Administration (M.B.A.) → é o título de mestrado profissional voltado a quem deseja trabalhar nas áreas de administração, negócios e finanças; média de duração: 3 anos – inclui estágios obrigatórios (É importante enfatizar que o M.B.A. americano não tem relação de equivalência com o “MBA” lato sensu brasileiro, e alguém que tivesse uma formação num desses cursos brasileiros não poderia utilizar o título profissional de M.B.A. nos EUA, que é controlado pelos diferentes conselhos profissionais da área);

  • Master of Divinity (M.Div. ou Div.M.) → é o título de mestrado profissional voltado a quem deseja ser ordenado como ministro religioso/sacerdote da maioria das religiões tradicionais; média de duração: 3 anos – inclui estágios obrigatórios; alguém que faz “seminário” para ser sacerdote/pastor etc, geralmente faz esse tipo de curso;

  • Master of Social Work (M.S.W.) → é o título de mestrado profissional voltado a quem deseja ser assistente social; média de duração: 3 anos – inclui estágios obrigatórios;

  • Master of Library Science (M.L.S.) ou Master of Library and Information Studies (M.L.I.S.) → é o título de mestrado profissional voltado a quem quer ser bibliotecário/a; média de duração: 3 anos – inclui estágios obrigatórios;

  • Juris Doctor (J.D.) → é o título de doutorado profissional destinado a quem quer ser advogado. As pessoas se referem a ele como “Law School” (Faculdade de Direito), mas é um programa de pós-graduação. O acesso pode ser feito logo após a graduação, se o candidato passar no exame de seleção – que, normalmente, é muito disputado; média de duração: 3 anos – inclui estágios obrigatórios (ou seja, para ser um advogado, nos EUA, a pessoa precisa ter passado ao menos 7 anos na universidade);

  • Doctor of Medicine (M.D.) → é o título de doutorado profissional destinado a quem quer ser médico. As pessoas se referem a ele como “Med(ical) School” (Faculdade de Medicina), mas é um programa de pós-graduação. O acesso pode ser feito logo após a graduação, se o candidato passar no exame de seleção – que, normalmente, é extremamente disputado; média de duração: 4 anos; após a conclusão, o estudante tem de passar de 3 a 7 anos em residência, dependendo da área de especialização (ou seja, ninguém se torna médico nos EUA sem ter passado pelo menos onze anos entre universidade e residência, e ter gasto muito dinheiro, ter feito uma dívida imensa em financiamentos ou conseguido várias bolsas de estudo);

  • E muitos outros.


O aspecto mais importante sobre esses títulos profissionais é que eles são OBRIGATÓRIOS,
na maioria das circunstâncias (há algumas exceções), para qualquer pessoa que queira exercer as profissões às quais se relacionam. Esses programas duram mais do que os programas de Mestrado acadêmico, exigem estágios e, geralmente, são mais caros. Alguns dos conselhos profissionais que controlam essas profissões exigem, além desses títulos, que o candidato passe por provas posteriores. É por essa razão que frequentemente é tão difícil alguém formado num sistema educacional diferente do americano conseguir exercer uma profissão liberal plenamente sem ter de voltar à universidade e ganhar experiência com um cargo hierarquicamente menos especializado por alguns anos (por exemplo, médicos ou dentistas brasileiros que trabalham nos EUA como auxiliares por vários anos, enquanto continuam estudando – se quiserem que seus cursos brasileiros sejam de alguma forma aproveitados).

Mas, voltando à questão de ser professor…

3. CERTIFICAÇÃO PARA ENSINAR

Todo estado americano tem um processo de concessão de diferentes tipos de licença para a docência, com exigências diferentes em cada estado. Então, seria quase impossível tratar de cada um deles aqui. Tratarei aqui do Estado de Nova York, e apenas do tipo de licença para professores vindos de outros países (professores já formados e com experiência). A partir das informações que seguem, já se pode ter uma ideia básica do que se pode esperar de outros estados. Ao fim, colocarei links para os sites dos setores dos Departamentos de Educação dos estados onde há grande população brasileira.

A Cidade de Nova York, especificamente, oferece programas extras para que alguém seja professor. Entretanto, as opções possuem certas exigências que não poderiam ser cumpridas pela maioria dos estrangeiros que se formaram em outro pais – especialmente países onde o inglês não é língua oficial, como o Brasil. Por esta razão, só tratarei abaixo do processo regular para candidatos formados em outros países, e que funciona para todo o Estado de Nova York e não apenas a Cidade de Nova York.

(A propósito, ter licença para ensinar em um estado não significa que se possa ensinar em outro. Se um professor se muda para outro estado americano, deve passar novamente por outro processo burocrático de certificação. Alguns estados mantêm convênios com estados vizinhos, e facilitam a mobilização de professores, mas essa não é uma regra geral.)

Enfatizo que as informações a seguir eram válidas até fevereiro de 2020, antes da pandemia de COVID-19. Alguns procedimentos podem ter sido alterados em decorrência da pandemia.

 

3.1 PASSOS A SEGUIR


A) Tradução juramentada de todos os documentos
acadêmicos (diplomas, históricos, ementas etc):

Os documentos têm de ser traduzidos e avaliados por uma empresa aceita pelo órgão chamado “Office of Teaching Initiatives” do Departamento de Educação do Estado de Nova York. Não são aceitas traduções, mesmo que juramentadas, feitas no Brasil.

Como exemplo do custo desse processo, escolhi uma empresa reconhecida pelo Departamento de Educação, na cidade de Nova York, para este tipo de trabalho. Os valores são de setembro de 2020. Essa empresa cobra 65 dólares para traduzir, do português para o inglês, cada face do diploma – ou seja, 130 dólares pela tradução completa (frente e verso) do diploma. Na tradução do histórico escolar, cobra-se 60 dólares, e mais 2 dólares por cada componente curricular (disciplina). E para todos os outros documentos – como o programa de cada disciplina etc – cobra-se o valor de 30 centavos de dólar por palavra, sendo o valor mínimo 50 dólares por documento. (Mas, só para que saibam, a tradução de inglês para português, na mesma empresa, seria muito mais cara.)


B) Avaliação da documentação acadêmica brasileira:

Além do custo das traduções, há os custos da avaliação detalhada do histórico, ementas e diploma – isto é, a avaliação da equivalência de todos os dados do curso brasileiro (titulação, componentes curriculares, ementas, créditos, notas etc) ao sistema universitário americano. Na mesma empresa, esse serviço sai por 200 dólares, para toda a documentação de um mesmo curso.


C
) Escolha de uma certificação adequada no site do Sistema TEACH, do Departamento de Educação de Nova York, para dar início ao processo:

O candidato deve acessar o site

<https://eservices.nysed.gov/teach/certhelp/CertRequirementHelp.do>, escolher o tipo de certificação (licença) que deseja, e verificar as exigências.

Esta é, possivelmente, uma das etapas mais difíceis para quem não conhece os termos técnicos da educação escolar americana. Mas, basicamente, para quem quer atuar com a docência em sala de aula escolar – ou com Educação Física –, as opções são:

  • Career and Technical Teacher (para quem quer ensinar disciplinas de formação técnica ou profissionalizante)

  • Classroom Teacher (professores generalistas ou de componentes específicos)

  • Classroom Teacher – Foreign Languages (professores de línguas estrangeiras)

  • Coaching (professores de Educação Física ou treinadores desportivos)

Para alguém que tenha concluído a formação no Brasil, e nunca tenha ensinado nos EUA, o tipo de certificação (Type of Certificate) a ser escolhida deve ser o “Initial Certificate”, e a opção seguinte será “Pathway: Individual Evaluation” (supondo que a pessoa não seja cidadã americana e ainda não tenha o chamado “Green Card”). Só cidadãos americanos ou residentes permanentes (portadores do “Green Card”) podem solicitar o chamado “Professional Certificate”.

Se o interesse fosse ensinar na área de “Social Studies” (minha área principal, apesar de eu também poder ensinar Inglês, Português e Jornalismo/Rádio), por exemplo (lembre-se de os professores são docentes de uma área e não apenas de um componente curricular), as exigências mínimas seriam as seguintes – após a tradução e avaliação da documentação acadêmica:

  • Graduação, com média global (GPA) mínima de 2.5 (no sistema americano) – lembre-se que a avaliação feita do Histórico Escolar serve justamente para fazer uma correspondência das notas brasileiras ao sistema americano;

  • O currículo do curso de graduação deve possuir um certo número de créditos em componentes curriculares da área pedagógica e, especificamente, de História, Geografia, Sociologia, Economia, Política e Filosofia. Também é obrigatório haver no histórico escolar elementos de Teoria da História e Teoria Social, Matemática/Estatística e Metodologia Científica.


D) Realização do Estágio Docente obrigatório:

Além dos componentes obrigatórios na área na qual se pretende ensinar, o candidato a uma certificação em área específica deve cumprir, antes de solicitar a certificação, um estágio docente supervisionado naquela área por, no mínimo, 40 dias (cerca de 2 meses), em sala de aula – os estágios realizados durante o curso de Licenciatura e o tempo de atuação como professor no Brasil não contam como estágio supervisionado obrigatório. O candidato não recebe nenhum pagamento, alimentação etc para realizar este estágio, e não pode trabalhar durante o período, já que fica na escola por tempo integral. Então, ele representa outro custo financeiro elevado para a maioria das pessoas.


E) Realização dos testes obrigatórios:

Após o período de estágio, no Estado de Nova York, há três testes obrigatórios. São eles:

  • Educating All Students”, mais conhecido como “EAS”. A prova lida com conhecimento pedagógico, é realizada em computador, e tem 40 questões objetivas e 3 questões discursivas. Dura cerca de 2h30, das quais 15 minutos são dedicados às instruções e 2h15 para a realização do teste propriamente dito. A pessoa precisa alcançar pelo menos 520 pontos. Em setembro de 2020, o valor pago para a realização do teste é de 90 dólares.

  • Social Studies CST”, é um teste de conteúdo específico na área de Ciências Humanas/Sociais (Estudos Sociais) – há um teste específico para cada área, mas estou oferecendo o exemplo de minha própria área de atuação aqui. Possui 90 questões objetivas e uma questão discursiva. Dura cerca de 3h30, das quais 15 minutos são para instruções. A nota mínima para passar no teste também é 520 pontos. O preço atual (set/2020) é 134 dólares.

  • edTPA”, que consiste num Portfólio de estágio, que contém texto escrito e gravação de 3 a 5 aulas do estágio em vídeo, que serão entregues ao fim do mesmo estágio. No texto escrito, o candidato registra suas reflexões diárias sobre o processo de ensino-aprendizagem como consequência de sua experiência no estágio; o candidato escreve de 3 a 5 planos de aulas relacionados a um dado tema (cada uma dessas aulas é chamada de “learning event” [evento de aprendizagem]); e faz um plano detalhado do processo de avaliação que utilizará com os estudantes. No estágio, essas aulas incluídas no planejamento devem ser completamente gravadas, com imagem e áudio, e essas gravações serão entregues juntamente com o texto escrito. Atualmente, a nota mínima exigida é 38. Com esse Portfólio, o candidato tem seu desempenho avaliado por membros duma comissão. O bom é que quem passa no “edTPA” não precisa fazê-lo mais, em Nova York, mesmo que precisasse duma outra certificação em área ou função escolar diferente. O valor pago, em setembro de 2020, é 300 dólares.


F) Realização dos workshops obrigatórios:

Há, ainda, que se comprovar a participação em três workshops obrigatórios, oferecidos por Distritos Escolares, universidades ou empresas conveniadas com o Departamento de Educação – esses são pagos pelo candidato e, dependendo de onde ocorram e de quem os oferece, podem custar entre 50 e 100 dólares cada:

  • Um workshop sobre identificação de abuso infantil;

  • Outro sobre prevenção e intervenção em situações de violência escolar;

  • E outro que lida com uma lei estadual sobre discriminação, assédio e violência na escola – Lei chamada de “Dignity For All Students Act”, de 2010.


G) Análise de antecedentes criminais:

Após tudo isso, há, ainda, a análise de antecedentes criminais através do recolhimento de impressões digitais, cujo custo, em setembro de 2020, é de 102 dólares.


H) Dar entrada oficial no processo de certificação:

Isso é feito online. A pessoa preenche o formulário oficial, paga a taxa de 100 dólares – para o tipo de certificação discutida ao longo deste texto, preço também de setembro de 2020 – e envia a documentação exigida (tudo o que foi listado anteriormente, além da documentação civil americana, documentos de imigração etc) para o setor responsável do Departamento de Educação de Nova York. O tempo aproximado de resposta é entre 12 e 16 semanas.

É importante enfatizar que a pessoa, mesmo tendo passado em todas as avaliações/testes citados anteriormente, e depois de ter gasto muito dinheiro com todo o processo, pode ter de cumprir exigências extras. Isso pode ocorrer se o currículo universitário do candidato não preencher todas as exigências do Departamento de Educação. Nessa situação, o candidato receberia sugestões sobre o que fazer para cumprir com as exigências.

 

4. CONSEGUINDO UM EMPREGO COMO PROFESSOR

Todas as informações compartilhadas aqui se referem a empregos em escolas públicas. Professores de escolas públicas são servidores que trabalham para um Distrito Escolar específico – esses Distritos são semelhantes a uma Secretaria de Educação de um Município ou de um Condado (um conjunto de Municípios). Diferentemente do Brasil, não há a instituição de “Concurso Público” para se conseguir um emprego de professor da rede pública. A busca de emprego e a contratação funcionam de forma parecida ao que seria a busca de emprego e contratação em escola privada no Brasil.

Encontra-se emprego através de classificados, anúncios na internet, ou simplesmente indo até escolas e procurando saber se há vagas. Grandes Distritos Escolares, como o da Cidade de Nova York (o da cidade é, na verdade, chamado de “NYC Department of Education” [Departamento de Educação da Cidade de Nova York]), realizam eventos anuais para convocarem candidatos e/ou mantêm sites onde a pessoa pode se candidatar a uma posição. Mas ir até uma escola pode ser a forma mais fácil de dar início ao processo – que, na Cidade de Nova York, é relativamente demorado.

Na Cidade de Nova York, a disputa por uma posição em escola é normalmente grande. E a concorrência se torna maior ainda porque o nível de formação da maioria dos professores e dos candidatos à docência é maior do que no resto do estado. A maioria dos professores têm, pelo menos, um Mestrado; e, em algumas áreas, um grade número tem Doutorado.

Se a disputa é tão grande, como pode haver novas vagas? A razão é porque o tempo de permanência na carreira docente no país todo, mas principalmente na Cidade de Nova York, é muito baixo – cerca de 5 anos. Então há sempre professores abandonando a sala de aula e, consequentemente, há sempre vagas para algumas áreas – especialmente nas ciências naturais, físicas e matemáticas (nas ciências humanas, como no Brasil, as vagas são mais escassas, já que há um grande número de formados e de novos formandos na área). Há muitas vagas, também, no correspondente à Educação Infantil brasileira, na Educação Especial, na Educação Bilíngue e no ensino de Inglês como Segunda Língua.

O que pode fazer a diferença na hora de encontrar um emprego, numa cidade como Nova York, é o professor ter uma certificação suplementar em Educação Especial ou em Educação Bilíngue (Português) – ou nos dois –, além da certificação em sua área específica. Para alguém que tenha sido formado no Brasil, é muito mais fácil conseguir a certificação em Educação Bilíngue (Português), já que português é, supostamente, sua língua primeira e a língua na qual recebeu sua formação. Ter essa certificação suplementar, juntamente com aquela da área na qual é professor, significa que a pessoa pode ensinar as “disciplinas” de sua área de certificação tanto em inglês quanto em português. E, assim, pode trabalhar com estudantes imigrantes que necessitam de ajuda por ainda não dominarem o inglês. Na disputa por um emprego como professor, isso pode fazer uma diferença em favor do candidato – apesar de o português não ser uma das línguas mais demandadas nas escolas (espanhol, bengali, mandarim e crioulo haitiano são as línguas mais demandadas nas escolas da cidade).

 

5. SALÁRIO

Na Cidade de Nova York – que paga o maior salário a professores no país inteiro –, professores das escolas da rede pública receberam o seguinte, para o ano letivo de 2019-2020 (o valor é o salário anual bruto, como no contrato, antes dos descontos e impostos):

  • 57.845 dólares – para alguém com Graduação, mas sem experiência prévia como professor (nos EUA);

  • 65.026 dólares – para alguém com Mestrado, mas sem experiência prévia como professor (nos EUA);

  • 87.510 dólares – para alguém com Mestrado, com experiência de pelo menos 8 anos em sala, e com cursos de formação continuada.

Esse pagamento é diferenciado de acordo com formação e tempo de serviço. Os valores são competitivos, em comparação com os salários de professores em outras regiões do Estado de Nova York e em outras regiões dos EUA, mas a cidade é a que tem um dos mais altos custos de vida do mundo. Assim, quando se considera o preço médio do aluguel, da alimentação e de todo o resto, a longo prazo se torna difícil manter uma família com esse salário na cidade. A situação, então, não é diferente daquela da maioria dos professores de redes públicas no Brasil.

Uma última observação deve ser feita. Mas essa sobre a situação de professores de escolas privadas. Como no Brasil, há um mito popular de que professores de escolas privadas ganham mais do que os de escolas públicas. Qualquer pessoa que tenha trabalhado em escolas privadas brasileiras sabe bem que o salário oferecido pela maioria delas é baixo – mais baixo do que o que ganham os docentes das redes públicas, e com menos benefícios e prestígio. Nos EUA é exatamente a mesma coisa. Se a vida de professor das redes públicas já é difícil – com a maioria tendo de trabalhar por tempo integral na escola e, muitas vezes, fazer outras coisas para complementar a renda –, muito pior é a situação de professores de escolas privadas, pelo menos na maioria das situações.

6. COMO CONCLUSÃO…

Espero que as informações acima tenham servido para responder àquelas perguntas que me fizeram. Fiz o possível para dar uma visão geral, mas provavelmente deixei algo de fora que alguns de vocês gostariam de saber.

Como prometi que incluiria links para informações sobre certificação/licença para ensinar em outros estados americanos com grande número de brasileiros, os incluo abaixo:

Flórida <https://www.fldoe.org/teaching/certification/>

Nova Jersey <https://www.nj.gov/education/license/>

Massachusetts <https://doe.mass.edu/licensure/>

Califórnia <https://www.ctc.ca.gov>

E, para quem quiser mais informações oficiais sobre o que tratei aqui acerca do processo de certificação no Estado de Nova York:

Nova York (Estado) <https://www.highered.nysed.gov/tcert/certificate/certprocess.html>

7. UMA OBSERVAÇÃO POSTERIOR

Após haver publicado este texto online, uma pessoa me escreveu, perguntando onde estaria, em minha opinião, a melhor formação para professores, nos EUA ou no Brasil? Ora, este é um daqueles questionamentos que merecem uma resposta relativizada. Um caminho de formação é adequado para um contexto escolar específico, assim, o modelo americano de formação de professores funciona (dentro de certos limites) para os sistemas escolares presentes no país e, semelhantemente, o modelo brasileiro de formação docente funciona (dentro de certos limites) para os sistemas escolares brasileiros. Não existe formação docente que funcionaria para todo e qualquer sistema escolar. São sistemas distintos, destinados a suprir necessidades diferentes. Ambos possuem aspectos positivos e/ou negativos, a depender dos contextos.