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Diálogos sobre a democracia
Refletir sobre a democracia brasileira a partir da Constituição de 1988 é o cerne do recém-lançado Acervo Digital do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec). A plataforma, que começou a ser pensada em 2019, foi desenvolvida graças a uma parceria com o Centro de Estudos Internacionais e de Política Contemporânea (Ceipoc) e o Centro de Memória, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além do apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atualmente, o banco de dados abriga duas coleções principais. “A aba denominada experiências de pesquisa contém entrevistas com pesquisadores sobre a democracia constitucional brasileira. Memória da Constituinte traz depoimentos de protagonistas e pesquisadores sobre o processo de transição democrática e a Assembleia Nacional Constituinte realizada entre 1987 e 1988”, explica Andrei Koerner, coordenador do projeto e professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH-Unicamp). “Queremos gradativamente ampliar o número de coleções.”
A equipe é composta por 10 pesquisadores vinculados ao Cedec e quatro bolsistas de iniciação científica. Em 2020 o grupo começou a produzir a coleção Experiências de Pesquisa. “Além de falar sobre o processo de elaboração da Constituição, os relatos revelam a trajetória acadêmica dos entrevistados, os bastidores de suas investigações, voltadas ao cenário político brasileiro entre o final da década de 1980 e os dias de hoje, bem como de que forma a instabilidade política que se instaurou no país a partir de 2013 vem impactando seus trabalhos”, informa o historiador Ozias Paese Neves, integrante da equipe do Acervo Digital, que atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
Desde então a equipe ouviu sete pesquisadores, como o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro dos governos José Sarney (1985-1990) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). “A listagem da bibliografia que utilizamos para preparar as entrevistas e o conteúdo adicional disponibilizado pelos próprios entrevistados ficarão acessíveis para consulta no banco de dados”, diz outra integrante do projeto, a cientista política Celly Cook Inatomi, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu), também apoiado pela FAPESP e pelo CNPq. “Esse material poderá servir de fonte não apenas para outros pesquisadores, mas também para professores do ensino fundamental e médio utilizarem em sala de aula, por exemplo.”
Dentre as entrevistas disponíveis no momento está a transcrição do depoimento da historiadora e socióloga Débora Alves Maciel, do curso de ciências sociais da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH-Unifesp). Há também um vídeo com o relato do cientista político André Singer, da FFLCH-USP. “Todas as transcrições serão acompanhadas do vídeo da entrevista e vamos disponibilizar trechos desse material audiovisual para serem compartilhados nas redes sociais”, conta Koerner.
A meta para este ano é recolher outros quatro depoimentos de pesquisadores radicados no Brasil. “Aprendemos muito ao preparar e realizar as entrevistas. Elas têm trazido elementos importantes para que os integrantes do projeto reflitam sobre questões contemporâneas como a crise da democracia. A ideia é que essas reflexões se desdobrem em artigos a respeito dessas temáticas”, relata o cientista político Lucas Baptista de Oliveira, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Caixeiro-viajante
“A sistemática de coleta dos depoimentos é lenta e laboriosa. Além disso, alguns entrevistados faleceram antes de concluir o ciclo, sem conferir o conteúdo e autorizar sua publicação, o que inviabiliza a veiculação da entrevista”, informa o economista e cientista político Antônio Sérgio Rocha, coordenador do projeto Memória da Constituinte, a outra coleção presente no banco de dados.
A origem de Memória da Constituinte está no projeto “Constituição: Teoria e prática”, que nasceu em 2008 no Cedec sob a coordenação de Cicero Araujo, da FFLCH-USP (ver Pesquisa FAPESP n° 274). Na época, Araujo reuniu um grupo de pesquisadores, entre eles Rocha. “Após ler exaustivamente sobre as Constituições brasileiras desde o século XIX, resolvemos entrevistar pessoas que vivenciaram o processo Constituinte de 1987-1988, como o advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, autor do livro A Constituinte e a Constituição que teremos [Editora Revista dos Tribunais, 1985]”, recorda Rocha, professor da EFLCH-Unifesp, campus de Guarulhos.
Ao longo do tempo, a ideia inicial se desdobrou em outros projetos, sempre realizados pelo Cedec e, a partir de 2013, em conjunto com o curso de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). A parceria, que aconteceu por intermédio do advogado José Francisco Siqueira Neto, professor daquela instituição de ensino, resultou no Colóquio nacional percurso constitucional brasileiro (2013) e no Simpósio internacional processos Constituintes comparados (2014), ambos sediados na UPM. Entre 2016 e 2018, a iniciativa contou com o apoio da FAPESP.
Ao todo foram realizadas 152 entrevistas. Há cerca de quatro anos, 22 desses depoimentos passaram a ser disponibilizados no site do Cedec. Agora o material está sendo transferido para o Acervo Digital – 17 entrevistas já foram indexadas e encontram-se disponíveis para consulta. “Esses depoimentos mostram que a trajetória até a Constituinte de 1988 foi longa e iniciada pela sociedade civil ainda durante a ditatura militar [1964-1985]. Em 1971, por exemplo, o MDB escreveu a Carta do Recife, documento em que o partido oposicionista pretendia pressionar o regime pela reconstitucionalização do país”, aponta Rocha.
Essa pauta também mobilizava figuras públicas como o jurista Dalmo Dallari (1931-2022), professor emérito da Faculdade de Direito da USP, que em 2008 declarou ao projeto: “Precisávamos de uma Constituinte para que no Brasil houvesse uma Constituição verdadeira, autêntica. Começaram a surgir, principalmente depois de 1979, alguns trabalhos, alguns artigos sobre o assunto. […] Isso veio pouco depois da Lei da Anistia. Já havia, embora com algum temor, a possibilidade de fazer publicações. E aí se lançou a ideia de uma Constituinte, que depois se divulgou e teve grande circulação, por vários meios. Eu próprio virei um caixeiro-viajante da Constituinte, circulava por muitos lugares do Brasil. Relembro uma dessas viagens. Eu tinha ido falar em Pirapora, norte de Minas Gerais, com alguns grupos organizados. E um fato me surpreendeu: eu estava falando de Constituinte quando me disseram: ‘Está aqui uma delegação de mulheres, do bairro Tiradentes, que quer lhe entregar um documento’. Eu as recebi. Elas tinham preparado propostas para a Constituinte” (ver Pesquisa FAPESP n° 315).
Segundo Rocha, além das entrevistas, o Acervo Digital contará com documentação extra, como a cronologia dos 613 dias do processo de elaboração do texto constitucional, as bancadas partidárias que participaram da votação do documento e vídeos. “Um deles traz o antológico discurso do ativista indígena Ailton Krenak no plenário da Assembleia Nacional Constituinte, que mudou a votação do capítulo sobre a demarcação das terras indígenas”, conta. O conteúdo de Memória da Constituinte, entretanto, não ficará circunscrito ao mundo virtual. No momento, o pesquisador organiza o material em formato de livro, que deve ser lançado em oito volumes. “A expectativa é de que três deles saiam no próximo semestre”, finaliza o professor da Unifesp.
Projetos
1. Implementação do Núcleo de Pesquisa em Ciências Sociais e Tecnologias Digitais (nº 19/06157-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Reserva Técnica para Infraestrutura Institucional de Pesquisa; Pesquisador responsável Andrei Koerner (Cedec); Investimento R$85.824,44.
2. A Constituinte recuperada. Vozes da transição, memória da redemocratização, 1983-1988 (nº 15/07080-5); Modalidade Auxílio à pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Antônio Sérgio Carvalho Rocha (Cedec); Investimento R$86.193,64.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
Notas sobre o apartheid na África do Sul
Gibson Da Costa
“Apartheid” é uma palavra da língua africâner que significa “separação” e se refere a um sistema de segregação racial praticado pela minoria de origem europeia (branca) contra uma maioria nativa (negra) na África do Sul, de 1948 a 1991.
As noções de supremacia branca e segregação racial chegaram à África do Sul com os primeiros colonos europeus. A Companhia Holandesa das Índias Orientais importou escravos da África Oriental e da Malásia assim que estabeleceu uma pequena colônia no Cabo da Boa Esperança, em 1652. Apesar de os britânicos terem abolido a escravidão logo após terem anexado a Colônia do Cabo, em 1806, mantiveram várias instituições e práticas que garantiam o controle político e econômico dos brancos sobre a maioria negra. No início do século XX, os britânicos controlavam toda a atual África do Sul, com o poder político quase que inteiramente nas mãos de pessoas de ascendência europeia. Com a Lei da União, de 1910, a África do Sul ganhou o status de “Domínio” dentro do Império Britânico e autogoverno limitado.
Entre 1910 e 1948, o governo da União estabeleceu muitas leis que restringiram severamente os direitos das populações negras. Aos negros foi negada a cidadania plena por meio de medidas como a Lei do Passe (lei que exigia que os negros carregassem livretos de identidades, parecidos com passaportes, nos quais eram registrados os locais aonde podiam ir), reservas de trabalho, restrições ao voto, negação ao direito de organização de sindicatos etc. As Leis das Terras Nativas de 1913 e 1936 relegaram a maioria africana a reservas nativas, forçando entre 85% a 90% da população, em teoria – apesar de nunca, de fato –, a viver em menos de 14% da terra. Os 86% restantes da terra foram reservados apenas para brancos.
Assim, quando Daniel F. Malan (1874-1959) e o seu Partido Nacionalista Africâner venceram as eleições gerais de 1948, com um plano que oficialmente endorsava o apartheid, o conceito não era desconhecido nem às populações brancas nem negras. Ironicamente, numa época na qual a Europa e a América do Norte estavam tomando ações para acabar com a discriminação legalizada contra minorias étnicas, os sul-africanos brancos começaram a implantar um dos mais duros sistemas de discriminação racial total na história mundial.
A filosofia política do apartheid baseava-se em quatro pontos principais:
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o “desenvolvimento separado” dos quatro grupos raciais oficiais no país;
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o controle pelos brancos de todos os aspectos do governo e da sociedade;
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os interesses dos brancos como sendo superiores aos interesses dos negros, sem nenhuma exigência para a provisão de direitos iguais a todos os grupos;
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a categorização de “brancos” (pessoas de ascendência europeia) como uma única nação e de “africanos” como membros de muitas nações distintas.
Os quatro grupos raciais oficialmente reconhecidos pelo apartheid foram:
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Africanos, também chamados de Bantus → formavam cerca de 78% da população total e, apesar de possuírem uma ancestralidade comum, foram divididos em nove nações distintas: Zulu, Xhosa, Venda, Tsonga, Pedi, Tswana, Swazi, Ndebele e Sotho.
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Coloureds (em inglês) ou Kleurlinge (em africâner) → nome dado às pessoas de origens mestiças com ancestrais africanos, europeus e malaios, e que podiam traçar suas origens ao início da colonização europeia.
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Asiáticos → termo utilizado para se referir às pessoas de origem indiana.
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Europeus → termo utilizado para fazer referência aos sul-africanos brancos de origem europeia.
“Coloureds” e “asiáticos” representavam entre 9% e 10% da população. Os demais 12% ou 13% eram formados pelos “europeus” – com cerca de 60% desses tendo origem holandesa e 40% com origem inglesa (apesar de imigrantes de todas as nações europeias estarem representados nessa única “nação”).
O sistema do apartheid foi descrito, às vezes, como tendo dois aspectos, chamados de grande e pequeno apartheid. O “grande apartheid” se refere àquelas leis racialmente discriminatórias que se relacionavam com a terra e a política. O “pequeno apartheid” se refere aos exemplos cotidianos de discriminação racial, como restrições de casamento, segregação de serviços públicos, zoneamento de residências, segregação de empregos, transporte e educação.
O Período Baaskap
Durante a primeira década seguinte às eleições de 1948, as políticas do apartheid foram desenvolvidas de forma crua sob o nome de baaskap. Esse termo africâner pode ser traduzido como “superioridade” ou “controle”, e faz referência à ideia de “supremacia branca”, com sua explícita noção da relação entre mestre e servo que deveria haver entre europeus e africanos.
É importante lembrarmo-nos de que o apartheid está intrinsecamente ligado ao nacionalismo africâner. Assim, não podemos desassociar as leis de segregação estrita e supremacia branca da aparente obsessão dos líderes africâneres com sobrevivência cultural e seu temor do chamado “swart gevaar” (“perigo negro”). Algumas dessas leis foram as seguintes:
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Lei de Proibição de Casamentos Mestiços (1949) – proibia o casamento entre pessoas de grupos raciais diferentes;
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Lei Contra a Imoralidade (1950) – tornou crime a relação sexual entre pessoas de grupos raciais diferentes;
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Lei de Registro da População (1950) – exigia que todos fossem registrados como membros de um dos grupos raciais oficiais;
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Lei das Áreas de Grupo (1950) – estabelecia os limites raciais da geografia urbana, prescrevendo a cada grupo diferentes bairros residenciais/comerciais nas áreas urbanas. Com base nessa lei, não brancos eram retirados das áreas que o governo considerava mais nobres, tendo sido empurrados para cada vez mais longe de onde podiam conseguir trabalho;
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Lei de Supressão do Comunismo (1950) – além de banir o Partido Comunista da África do Sul, definia qualquer opositor do apartheid como comunista e terrorista – a pena incluía perda de direitos políticos, prisão e o banimento a alguma outra região do país (os brancos que se opunham publicamente ao apartheid foram punidos com base nessa lei) [NOTA: no discurso “Estou preparado para morrer” (“I am prepared to die”, em inglês), Nelson Mandela faz referência a essa tática de identificar todos os inimigos do apartheid como comunistas e explica por que esses dois grupos se aproximaram, apesar de suas diferenças];
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Lei de Reserva de Espaços, Veículos e Serviços Públicos Separados (1953) – lei que legalizava a segregação racial em todos os espaços, veículos e serviços públicos; apenas as ruas e rodovias estavam excluídas desta lei.
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Lei da Educação Bantu (1953) – desautorizava as escolas privadas e religiosas e colocava todo o sistema educacional nacional sob a direção do governo, resultando num significativo declínio na qualidade da educação dos negros.
A imagem acima pode ajudar a perceber como o apartheid funcionava na organização do espaço urbano. No centro, vemos a cidade “europeia” de Graaf-Reinat, na Província do Cabo Oriental. Ao seu redor, vemos outras povoações, onde moravam “africanos” e “coloureds”. Essa separação cumpria às exigências da Lei das Áreas de Grupo. Para que esses “africanos” e “coloureds” saíssem de suas casas e fossem trabalhar para os “europeus”, tinham de carregar seus livretos de passe (passaportes), em obediência à Lei do Passe. Esses “africanos” e “coloureds” não podiam ir a uma loja, a um parque, a uma biblioteca ou a um hospital naquela cidade “europeia”: tinham de fazê-lo, cada grupo, em sua respectiva área – em obediência à Lei de Reserva de Espaços, Veículos e Serviços Públicos Separados. Qualquer um deles – inclusive brancos – que protestasse contra isso seria punido com base na Lei de Supressão do Comunismo.
O Período do Desenvolvimento Separado
Em 1958, Hendrik Verwoerd (1901-1966), conhecido como o “arquiteto chefe do apartheid”, tornou-se primeiro ministro. Sob seu governo, o apartheid tornou-se uma política racista mais sofisticada chamada de “desenvolvimento separado”. Sob o desenvolvimento separado, cada um dos nove grupos “africanos” (ou “bantu”) passou a ter sua própria nação – chamada de “Bantustão” –, localizadas naqueles 14% de terras reservados pelas Leis das Terras Nativas de 1913 e 1936. Os 86% restantes do país estavam reservados apenas para os brancos: essas incluíam as melhores terras agrícolas, as principais áreas urbanas, os depósitos minerais conhecidos e as minas.
A compreensão que sustentava a filosofia política do “desenvolvimento separado” era a de que os “africanos” deveriam retornar às suas pátrias independentes, e, lá, se desenvolver social, econômica, cultural e politicamente de acordo com seus próprios desejos. O argumento era de que, dessa forma, todas as nações da África do Sul – a “nação” branca e as nove “nações” negras – teriam autodeterminação e não seriam forçadas a viver sob um governo estrangeiro.
A autodeterminação, contudo, só se iniciaria quando os “africanos” entrassem em sua pátria. Eles não tinham a escolha de se mudar ou não, apesar de muitos terem vivido há gerações em cidades e de nunca terem estado sequer próximo à sua pátria designada. Ademais, muitos “africanos” tinham ancestrais de diferentes origens, com, por exemplo, um avô xhosa e uma avó sotho, ou uma outra combinação dos nove diferentes grupos. Agora, eles teriam um documento que oficialmente os classificaria como pertencendo a apenas um desses grupos e como cidadãos duma pátria artificial criada pelo governo. Eles eram, agora, estrangeiros na África do Sul – um país que, teoricamente, não mais possuía cidadãos negros, e havia se tornado um país majoritariamente branco.
Em 1963, o regime do apartheid concedeu uma autonomia limitada ao primeiro dos bantustões, Transkei (uma pátria xhosa). Entre 1976 e 1981, Transkei, Bophuthatswana (uma pátria tswana), Venda (pátria venda) e Ciskei (uma pátria xhosa) receberam sua “independência” do governo da República da África do Sul – apesar de nenhum outro governo do mundo haver reconhecido essas “nações”. KwaZulu, KwaNdebele, Lebowa, KaNgwane, Gazankulu e Qwa Qwa foram declarados como “autônomos” ao longo da década de 1970. Nenhuma dessas pátrias, contudo, jamais foi economicamente viável. Elas consistiam basicamente de terras incultiváveis. As famílias dependiam dos familiares que trabalhavam nas áreas brancas e enviavam seus salários para casa. Todas essas pátrias foram abolidas em 1994, e suas terras foram reincorporadas ao território da República da África do Sul.
Oposição
A oposição ao apartheid se iniciou imediatamente após as eleições de 1948. Armado com a Lei de Supressão do Comunismo – que, apesar de suas políticas racistas, fez com que a África do Sul ganhasse apoio dos EUA e da Grã-Bretanha durante a Guerra Fria –, o regime do apartheid conseguiu esmagar a maioria da resistência interna. O mais importante grupo negro de oposição foi o Congresso Nacional Africano (CNA), cujos membros incluíam Albert Luthuli (1898-1967; ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1961), Walter Sisulu (1912-2003), Oliver Tambo (1917-1993) e Nelson Mandela (1918-2013). Em 1955, o Congresso do Povo adotou a chamada “Carta da Liberdade” que exigia uma África do Sul multirracial e democrática; esta carta foi adotada pelo CNA.
Já no início da década de 1960, enquanto dezenas de nações africanas conseguiram sua independência, a África do Sul enfrentava uma crescente condenação internacional – especialmente advinda dos países do chamado bloco socialista. Em 1961, o país deixou a Comunidade Britânica de Nações, em vez de ser forçado a abandonar o apartheid. No mesmo ano, as Igrejas Reformadas Holandesas da África do Sul abandonaram o Conselho Mundial de Igrejas. O país também perdeu seu direito a voto na Assembleia Geral das Nações Unidas, e foi banido dos jogos olímpicos e de muitas organizações internacionais.
Sob a liderança de Nelson Mandela, o CNA formou uma ala militar em 1961, chamada de “Umkonto we Sizwe” (Lança da Nação), que recorria à violência em sua resistência ao apartheid. Em 1963, Mandela e sete outros foram julgados e condenados à prisão perpétua.
O governo, a essa altura, já havia banido todas as organizações que se opunham ao sistema, e colocado na prisão ou em detenção residencial muitos dos opositores – lideranças políticas e religiosas, escritores, artistas, professores, jornalistas, estudantes.
Hendrik Verwoerd foi assassinado em 1966, e sob seu sucessor, Balthazar Johannes Vorster (1915-1983), alguns aspectos do “pequeno apartheid” foram relaxados. A decisão do governo, em 1976, de exigir instrução obrigatória em africâner nas escolas “africanas” deu início a uma série de revoltas – que se iniciaram em Soweto e depois se espalharam pelo país.
É importante perceber que, para os sul-africanos que não possuíam origem holandesa, a língua africâner sempre esteve associada à ideia do nacionalismo bôer e intrinsecamente ligado ao apartheid. A língua utilizada pelos sistemas de educação dos grupos “africanos” ou “asiáticos” era o inglês. Por isso a revolta como reação à nova decisão: agora, o regime do apartheid, além de tirar a cidadania, as terras, a dignidade humana dos negros, imporia sua língua às crianças e jovens africanos.
Em 1978, Pieter Willem Botha (1916-2006) tornou-se primeiro ministro e começou a conceder aos “coloureds” e aos “asiáticos” alguns direitos políticos limitados, tentando, assim, melhorar a imagem do país no cenário internacional e conseguir desses dois grupos o apoio necessário para a permanência do regime.
Após a independência do Zimbábue, em 1981, a África do Sul e a Namíbia (uma antiga colônia alemã que fora tomada pela África do Sul, desde 1915) continuaram como os únicos países africanos governados por grupos de origem europeia, e enfrentavam uma forte pressão interna e externa por mudanças. A África do Sul passou a sofrer sanções econômicas cada vez mais duras, que incluíam a alienação de filiais de grandes corporações americanas no país.
O fim do apartheid
Em 1989, Frederik Willem de Klerk (1936-…) tornou-se primeiro ministro e imediatamente anunciou a soltura de muitos presos políticos negros. Em fevereiro de 1990, ele declarou, no Parlamento, que o apartheid havia falhado, que o banimento de todos os partidos políticos seria anulado e que Nelson Mandela seria libertado – depois de 27 anos de prisão. Em 1991, todas as leis do apartheid foram abolidas. Após três anos de intensas negociações, todos os lados concordaram, em 1993, com os passos para a formação dum governo transitório multirracial e multipartidário.
As eleições aconteceram em abril de 1994, e Nelson Mandela se tornou o primeiro presidente eleito pela maioria, de forma livre e direta, na história da África do Sul. Em 1995, ele formou a Comissão da Verdade e Reconciliação, com o arcebispo anglicano Desmond Tutu (1931-…) como seu diretor, para investigar os abusos sofridos por todos os sul-africanos durante o regime do apartheid. A comissão anunciava como sua missão não a punição, mas o conhecimento do passado e a reconciliação entre os vários grupos divididos durante o apartheid.
FONTES
BENSON, M. Nelson Mandela, the man and the movement. Harmondsworth, Inglaterra: Penguin, 1994.
DEGRUCHNY, J.W.; VILLA-VICENCIO, C. (eds.). Apartheid is a heresy. Grand Rapids, EUA: W. B. Eerdmans, 1983.
LAPPING, B. Apartheid: a history. Nova York, EUA: G. Braziller, 1989.
THOMPSON, L. M. A history of South Africa. 3.ed. New Haven, EUA: Yale University Press, 2000.
WELSH, David. The rise and fall of apartheid. Charlottesville, EUA: University of Virginia Press, 2009.
WORDEN, Nigel. The making of modern South Africa. 5.ed. Malden, EUA: Wiley-Blackwell, 2012.
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FILMES DE INTERESSE:
EM NOME DA HONRA. Phillip Noyce (dir.). França / Reino Unido / África do Sul / EUA: Working Title Films, 2006. 1 filme (101 min.), son., col. [Título original: Catch a fire]. Leg. português.
INVICTUS. Clint Eastwood (dir.). EUA/África do Sul: Liberty Pictures, 2009. 1 filme (133 min.), son., col. [Título original: Invictus]. Leg. português.
MANDELA – A LUTA PELA LIBERDADE. Bille August (dir.). África do Sul / Itália / Reino Unido / Luxemburgo / Alemanha / França: Film Afrika Worldwide, 2007. 1 filme (118 min.), son., col. [Título original: Goodbye Bafana]. Leg. português.
REPÓRTERES DE GUERRA. Steven Silver (dir.). Canadá/África do Sul: Paramount Pictures, 2010. 1 filme (106 min.), son., col. [Título original: The Bang Bang Club]. Leg. português.
SOMBRAS DO PASSADO. Tom Hooper (dir.). Reino Unido/África do Sul: BBC Films, 2004. 1 filme (110 min.), son., col. [Título original: Red Dust]. Leg. português.
A jihad contra a jahiliyyah: Sayyid Qutb e Osama bin Laden na reinvenção do Islã Político
[Artigo apresentado no Encontro de Estudos Teológicos Avançados do IRWEC, em 17 de março de 2014.]
Gibson da Costa
RESUMO: Neste artigo, consideramos a contribuição de algumas ideias do pensamento de Sayyid Qutb para a formação do pensamento islamita contemporâneo, especialmente em sua forma mais radical, como externada pelos textos atribuídos a Osama bin Laden, quando líder da al-Qa’ida. Apontamos a obra de Qutb como fonte para uma reinvenção de tradicionais conceitos islâmicos, a saber, jahiliyyah e jihad; e como introdutória do conceito de vanguarda no Islã político, conceito este que motivara o envolvimento de Osama bin Laden com o Afeganistão, durante o período da ocupação soviética, e seu posterior levante contra o regime saudita e os Estados Unidos da América.
PALAVRAS-CHAVE: Islã Político. Jihadismo. Pensamento Islamita. Sayyid Qutb. Osama bin Laden.
1. Introdução
A história do início do século XXI já parece estar marcada, apropriada ou inapropriadamente, pela combinação de nomes e conceitos como Osama bin Laden, al-Qa’ida, Islã, e fundamentalismo. A aparente frequência com que se tem feito referência à combinação de tais nomes e conceitos em noticiários, publicações jornalísticas e acadêmicas, filmes, seriados de televisão, e discursos políticos, pelo menos desde 1996, já é suficiente para indicar a importância do Islã político para a consciência cultural de nossa era. Neste artigo, aproveitando-nos dessa celebridade, intentamos discutir aspectos da história intelectual da forma mais radical desse conjunto de movimentos que se esforçam pela politização do Islã ou, antes, pela islamização da política, especificamente no que concerne ao jihadismo preconizado pela al-Qa’ida, liderada por Osama Bin Laden até sua execução, em 2 de maio de 2011.
Julgamos ser indispensável, antes que prossigamos, esclarecer as escolhas semânticas que fizemos para discutir nosso tema ao longo deste texto. Como, em língua portuguesa, os termos Islamismo e Islã são sinônimos, fazendo referência à fé professada por muçulmanos e muçulmanas – que não partilham, necessariamente, da mesma compreensão teocrática e essencialista daqueles que se engajam na politização do Islã ou na islamização da política em sociedades do, equivocadamente, chamado “mundo islâmico” –, decidimos fazer uso duma expressão que evitasse a confusão entre a religião em si e a política supostamente inspirada por crenças religiosas, e, por isso, utilizamos aqui a expressão Islã político para nos referirmos à segunda (uso que, desde já, reconhecemos não estar livre de certas limitações conceituais). Para nos referirmos à fé professada por muçulmanos e muçulmanas, utilizamos o termo Islã.
Frequentemente, trata-se o Islã como uma civilização plena, como um sistema social e político, e não apenas como uma religião. O Islã é visto como uma revelação que explica a totalidade do pensamento, das ações e do modus vivendi dos muçulmanos. O Islã, assim, constituiria a essência da identidade muçulmana, tornando possível a definição de como os muçulmanos pensariam ou agiriam. Infelizmente, essa compreensão não é abraçada apenas por ocidentais olhando para o equivocadamente chamado “mundo islâmico”. É uma espécie de simbiose ideológica da visão que ocidentais orientalistas e islamitas orientais têm do Islã. Aqui, rejeitamos essa visão essencialista do Islã, por considerarmos que a mesma não seja empiricamente sustentável, analiticamente útil ou normativamente defensável. Essa é a razão, também, pela qual consideramos o uso da expressão “mundo islâmico” como equivocado e inadequado, já que tal uso subentenderia uma visão monoliticamente essencialista do Islã e das sociedades onde esse se desenvolve – da mesma maneira como o seria a utilização da expressão “mundo cristão” como referência ao chamado Ocidente.
Para que tenhamos uma definição mais clara daquilo que aqui chamamos de Islã político, faremos uso daquela descrição oferecida por Guilain Denoeux do mesmo como sendo
uma forma de instrumentalização do Islã por indivíduos, grupos e organizações que buscam objetivos políticos. Oferece respostas políticas aos desafios sociais de hoje, imaginando um futuro cujas bases repousam sobre conceitos reapropriados e reinventados, tomados da tradição islâmica.[1]
Essa reinvenção conceitual da tradição islâmica – i.e., sua compreensão em termos duma noção romantizada duma era dourada mítica – constitui o cerne dessa instrumentalização do Islã. Essa reinvenção provê os instrumentos para a descontextualização histórica do Islã no discurso teórico dos líderes intelectuais do Islã político (que não deve ser compreendido como um movimento monolítico), em seu esforço de reavivamento islâmico de suas sociedades. Esse esforço de reavivamento, de acordo com Berger, é um fenômeno social tão vasto geograficamente, que atinge países desde o norte da África até o sudeste asiático[2]. Não identificamos aqui essa empreitada, entretanto, com o tão abusado termo “fundamentalismo” – abusado tanto por jornalistas quanto por autores acadêmicos não especializados em teologia ou pensamento islâmico –, que indica, em seu uso original no meio cristão protestante, um retorno a supostos “fundamentos” da fé por meio duma leitura literal e estática do texto sagrado.
Transferir o sentido do termo “fundamentalismo” para fazer referência aos variados movimentos radicais do Islã político não corresponde ao que pode ser analiticamente observado, já que as concepções hermenêuticas e práticas exegéticas dos mesmos são abertamente multiformes, não professando um mesmo tipo de leitura do texto sagrado ou da tradição teológica do Islã como a requerida pelo fundamentalismo cristão[3]. Ademais, no que concerne a crenças religiosas ou conceituações teológicas, “fundamentalismo” não é sinônimo de violência nem, necessariamente, de teocracia. Assim, utilizar a recorrente nomeclatura/adjetivação “fundamentalismo”/“fundamentalista” seria, no mínimo, inapropriado; o que nos força a fazer outras escolhas semânticas. Escolhemos, assim, utilizar os termos Islã político, e o adjetivo correspondente islamita(s), para nos referirmos ao sentido dado aos movimentos políticos definidos por Denoeux; e jihadismo, e o adjetivo correspondente jihadista(s), para nos referirmos distintamente àquela expressão do Islã político que comumente recorre a uma compreensão específica do conceito muçulmano de jihad, especialmente associado à herança intelectual do pensador egípcio Sayyid Qutb.
2. A jahiliyyah de Sayyid Qutb
A história intelectual das empreitadas islamitas – i.e., relacionadas ao Islã político –, especialmente das jihadistas, é complexa e emerge de muitas fontes, mas o nome mais influente para sua gênese contemporânea é o do intelectual egípcio Sayyid Qutb. De 1948 a 1950, Qutb permaneceu nos Estados Unidos – para onde foi enviado pelo Ministério da Educação egípcio para pesquisar métodos de educação –, onde completou um mestrado em educação, na Universidade do Norte do Colorado. Foi, supostamente, essa sua experiência nos Estados Unidos que convenceu-o sobre o estado de decadência espiritual e moral do “Ocidente”. No livro que escreveu sobre seu tempo nos Estados Unidos, A América Que Vi, Qutb expressa sua admiração pelas grandes conquistas econômicas e científicas norte-americanas, ao mesmo tempo em que demonstra sua surpresa de que tais conquistas tenham sido alcançadas por uma sociedade que continuava, em sua opinião, “abissalmente primitiva no mundo dos sentidos, sentimentos e comportamentos”[4].
Após seu retorno ao Egito, em 1950, Qutb tornou-se membro da Irmandade Muçulmana, que, por sua vez, defendia uma visão similar à sua quanto à necessidade dum retorno ao Islã. Sayyid Qutb compartilhava a visão do fundador da Irmandade, Hassan al-Banna – que estudara na mesma universidade egípcia onde Qutb se graduara, tendo sido assassinado em 1949 –, de que a modernidade (leia-se: o capitalismo, o individualismo, a democracia, o secularismo, o ateísmo etc) fosse a maior ameaça ao Islã. Havia sido essa modernidade, trazida pelos imperialistas ocidentais, que trouxera o infortúnio aos muçulmanos. Os Estados Unidos, na visão de Qutb, seria a representação maior de tudo o que essa modernidade significava. Em sua visão, para que os muçulmanos fossem livres, deveriam rejeitar essa modernidade e seguir o caminho do Islã – que, para ele, seria a essência da identidade muçulmana.
Qutb se destacou como uma voz para a causa islamita quando se tornou o editor do jornal semanário da Irmandade, logo após juntar-se à organização. Essa foi a época na qual ele começou a escrever aquele que posteriormente se tornou um dos mais populares comentários ao Corão até hoje, À sombra do Corão, dividido em 18 volumes, que só concluiria durante a década que permaneceu na prisão, entre 1954 e 1964 (ele fora detido, juntamente com outros membros da Irmandade, acusado de haver conspirado contra a vida de Gamal Nasser). A obra, entretanto, que o tornaria o mentor intelectual das expressões mais radicais do Islã político (i.e., os movimentos jihadistas) seria um manifesto chamado de Marcos à beira do caminho – mais comumente conhecido como Marcos, maneira pela qual nos referiremos ao mesmo aqui. Apesar de já circular clandestinamente há alguns anos, o livro foi formalmente publicado apenas em 1964, um pouco antes de ele deixar a prisão. Marcos consistia numa série de cartas escritas da cadeia para seus correligionários da Irmandade Muçulmana e em algumas partes extraídas de À sombra do Corão, baseadas numa argumentação revolucionária que, metaforicamente, estremeceu o Egito de sua época.
A filosofia política desenvolvida em Marcos foi vista como uma ameaça à legitimidade do governo de Nasser e, por isso, Qutb foi novamente preso em agosto de 1965, e sentenciado à morte – tendo sido enforcado em 29 de agosto de 1966. Em Marcos, Qutb divulga uma nova compreensão do antigo conceito de jahiliyyah – o suposto estado de ignorância que existia na Arábia anterior ao advento do Islã – que se mostraria indispensável à argumentação dos pensadores e ativistas islamitas. Ele afirma:
O Islã não pode cumprir seu papel a não ser que tome uma forma concreta numa sociedade, ou melhor, numa nação. Pois o homem não dá ouvidos, especialmente nesta era, a teorias abstratas que não veja materializadas numa sociedade viva. A partir deste ponto de vista, podemos dizer que a comunidade muçulmana se extinguiu há muitos séculos, pois essa comunidade muçulmana não se refere ao nome duma terra onde o Islã resida, nem a um povo cujos ancestrais viveram sob o sistema islâmico no passado. É, antes, o nome dum grupo de pessoas cujos modos, ideias e conceitos, regras e regulamentos, valores e critérios derivem, todos, da fonte islâmica. A comunidade muçulmana com essas características desapareceu no momento em que o direito islâmico foi suspenso na terra.[5]
Assim, em sua reinvenção conceitual da tradição islâmica, e discordando da interpretação majoritária entre os teólogos sunitas, Qutb declarou que mesmo as sociedades ditas muçulmanas estariam num estado de jahiliyyah, que ele definiu – diferentemente do conceito tradicional – como um estado contemporâneo de “rebelião contra a soberania de Deus na terra” no qual o homem reivindica o “direito de criar valores, legislar regras de comportamento coletivo e escolher qualquer forma de vida, sem qualquer consideração pelo que foi prescrito por Deus”. Com “o resultado dessa rebelião contra a autoridade de Deus” sendo “a opressão de suas criaturas”. Para sobrepujar essa jahiliyyah, seria necessário, segundo Qutb, “iniciar o movimento de reavivamento islâmico em algum país muçulmano”, já que apenas um tal movimento alcançaria “o status de liderança mundial”[6]. E ele prossegue:
Como será possível começar a tarefa de reavivar o Islã? É necessário que haja uma vanguarda que se erga com essa determinação e continue a percorrer o caminho, marchando através do vasto oceano de jahiliyyah que domina todo o mundo. No decorrer de sua jornada, deve manter-se à distância dessa jahiliyyah tanto quanto possível e deve também manter alguma ligação com ela.[7]
A (re)definição, aparentemente tão inocente aos olhos de leitores ocidentais não-muçulmanos, dada por Qutb à noção de jahiliyyah e sua ideia de uma vanguarda se responsabilizar pelo estabelecimento dum Estado islâmico, regido pelo direito islâmico, serviriam como uma motivação ao ativismo revolucionário de diferentes formas de movimentos islamitas e jihadistas que encontram nos Marcos sua direção teórica. Dentre tais movimentos, encontra-se aquele que originou a al-Qa’ida. A obra de Sayyid Qutb, supostamente, teve um grande impacto no pensamento de Osama bin Laden, por meio da influência das palestras públicas de Muhammad Qutb – irmão de Sayyid Qutb, considerado o principal intérprete do todo da obra de Sayyid após sua execução, uma espécie de guardião de sua herança[8] –, às quais Osama costumava assistir quando na universidade[9]. Nela, ele e seus companheiros encontraram as justificativas para uma empreitada de jihad ofensiva contra aqueles que julgavam ser os inimigos do Islã, e a base para sua participação na guerra do Afeganistão, entre 1979 e 1989.
3. Osama bin Laden e a vanguarda islamita
O público anglófono começou a se inteirar acerca de Osama bin Laden a partir duma entrevista dada por ele ao jornalista Robert Fisk, no Sudão, e que foi publicada pelo jornal britânico The Independent, em 6 de dezembro de 1993. No quarto parágrafo de seu artigo, Fisk escreve:
Ele é um homem tímido. Mantendo um lar em Cartum e apenas um pequeno apartamento em sua cidade natal de Jidá; ele é casado – com quatro esposas – e muito cuidadoso com a imprensa. Sua entrevista com o Independent foi a primeira que já deu a um jornalista ocidental, e inicialmente se recusou a falar sobre o Afeganistão […]. Mas no fim das contas falou sobre uma guerra que ajudou os mujahedin afegãos a vencerem: “O que vivi em dois anos lá, não poderia ter vivido nem mesmo em cem anos em outro lugar”, disse ele.[10]
O retrato pintado pelo autor, em 1993, parece referir-se a uma pessoa completamente diferente daquela que se passou a retratar nos meios de comunicação especialmente a partir de 2001. Bin Laden já era visto então como uma espécie de herói islamita e, para muitos muçulmanos que não tinham nenhuma simpatia nem pelo jihadismo nem pelo terrorismo, como um exemplo de bom muçulmano. Sua reputação como um homem corajoso, generoso, austero, digno e devoto acompanhavam sua fama ao redor do mundo. O milionário que abandonara tudo para cuidar das necessidades dos mujahidin e para lutar ao seu lado no Afeganistão. Esse era o mito sobre o homem visitado por Robert Fisk.
A reportagem continua com uma descrição do suposto papel desempenhado por Osama bin Laden no que o autor chama de “movimento de resistência afegã” – uma referência aos variados grupos jihadistas que lutavam contra a presença soviética no país a partir de 1979[11] –, reforçando, mesmo que indiretamente, o mito que já se construíra em torno do islamita saudita. Mais adiante, no oitavo parágrafo do texto, o autor inclui a narrativa do próprio bin Laden sobre a guerra no Afeganistão:
Certa vez, estava a apenas 30 metros dos russos e eles tentavam capturar-me. Estava sob bombardeio, mas tinha tanta paz em meu coração que adormeci. […] Vi um projétil de morteiro de 120mm cair diante de mim, mas não explodiu. Outras quatro bombas foram atiradas dum avião russo sobre nosso quartel-general, mas não explodiram. Derrotamos a União Soviética. Os russos fugiram.[12]
A estratégia retórica utilizada para construir uma versão da história útil a seus intentos torna-se clara neste pequeno trecho, e a mesma repete-se em oportunidades posteriores, especialmente em suas cartas e discursos. As duas últimas frases tornaram-se elementos frequentes na propaganda da al-Qa’ida. Tornaram-se, ademais, elementos deveras importantes no mito acerca dos mujahidin que lutaram no Afeganistão, e a mais importante evidência da força do movimento liderado por bin Laden – apesar de, ao que tudo indica, a importância dos mujahidin não-afegãos na derrota dos soviéticos não ter sido tão decisiva quanto afirmava bin Laden.
O que torna representativa a “vitória” dos mujahidin afegãos – e, consequentemente, a participação dos mujahidin não-afegãos associados a Osama bin Laden – na guerra no Afeganistão, entre 1979 e 1989, é o sentido simbólico atribuído a essa “vitória” por islamitas no chamado “mundo islâmico”. Para muitos, aquela representava a primeira vitória militar para o Islã em vários séculos, e parecia sabotar o espírito derrotista que abatera a comunidade muçulmana ao longo do século XX. Os eventos no Afeganistão serviram como apoio aos argumentos de Sayyid Qutb de que uma vanguarda muçulmana deveria armar-se para derrotar os supostos inimigos do Islã e fundar um Estado islâmico regido pelo direito islâmico. E havia sido aqueles argumentos o que motivara ideologicamente muitos dos voluntários muçulmanos de todo o mundo a se juntarem aos mujahidin afegãos, mesmo que sua participação não tenha sido o que decidira a guerra contra as tropas soviéticas.
A guerra no Afeganistão, de acordo com o historiador Robert D. Kaplan, deixou um saldo de mais de um milhão de mortos, e levou um terço da população afegã, cerca de 5 milhões de pessoas, ao exílio. Apesar de toda a brutalidade daquela guerra, sua divulgação nos meios de comunicação ocidentais, em comparação com outros conflitos de menores proporções, foi mínimo[13]. Provavelmente, como sugerem os relatos do jornalista Rob Schultheis (um dos poucos a cobrir a guerra como correspondente), a deficiência na cobertura jornalística do conflito poderia ser atribuída às dificuldades para sobreviver às condições que o ambiente impunha, com doenças, falta de alimentos e água, falta de hospedagens e meios de comunicação, entre tantos outros empecilhos[14]. Para o imaginário dos islamitas que se juntaram aos afegãos, vencer aquela guerra equivaleria a derrotar a jahiliyyah, ajudando assim a estabelecer um Estado islâmico que serviria de base para a libertação das terras do Islã.
Anos mais tarde, esse mesmo discurso de jihad em nome da libertação das terras do Islã seria mais uma vez vociferado por Osama bin Laden e seus associados. Em um pronunciamento radical, sua primeira declaração pública de jihad aos Estados Unidos, em 1996, lê-se:
[…] Não é segredo para nenhum de vós, meus irmãos, que o povo do Islã tem sofrido agressão, iniquidade e injustiça a ele impostas pela aliança de sionistas e cruzados, e seus colaboradores; a ponto de o sangue muçulmano ter tornado-se o mais barato, e sua riqueza ter tornado-se pilhagem nas mãos dos inimigos. Seu sangue foi derramado na Palestina e no Iraque. As horríveis imagens do massacre em Qana, no Líbano, ainda estão vívidas em nossa memória. Massacres ocorreram no Tajiquistão, em Burma, na Caxemira, em Assam, nas Filipinas, em Fatani, em Ogadin, na Somália, na Eritreia, na Chechênia e na Bósnia-Herzegovina, massacres que arrepiam o corpo e tremem a consciência. Tudo isso ocorreu diante dos olhos e ouvidos do mundo, e não apenas não responderam a essas atrocidades, mas também numa clara conspiração entre os EUA e seus aliados, sob a cobertura da imoral Nações Unidas, impediram que o povo desapropriado obtivesse armas para se defender. O povo do Islã despertou e deu-se conta de que é o principal alvo da agressão da aliança entre sionistas e cruzados. […] A última e a maior dessas agressões, impostas aos muçulmanos desde a morte do profeta […] é a ocupação da Terra das Duas Mesquitas Sagradas […] pelos exércitos dos cruzados americanos e seus aliados […].[15]
Nesta sua “mensagem aos muçulmanos em todo o mundo, e especialmente na Península Arábica”, também conhecida como “Epístola Ladenesa”, a mais longa das primeiras mensagens escritas por Osama bin Laden, seus argumentos são apresentados na forma duma fatwa (um edito jurídico) autorizando a jihad contra os norte-americanos. Isso pode fazer-nos questionar sua autoridade para tal: Osama bin Laden não possuía os requisitos tradicionais para emitir uma fatwa aos muçulmanos do mundo, já que não possuía a formação exigida para ser um mujtahid (erudito no direito islâmico) numa das madhhabs (escolas/tradições de interpretação jurídica) islâmicas. Vale ressaltar aqui que o Islã sunita, o corpo de tradições e seitas seguido pela maioria dos muçulmanos e pelo próprio bin Laden, divide-se em pelo menos quatro grandes madhhabs (escolas jurídicas, que não correspondem a seitas, mas a uma forma de interpretar a lei islâmica): a hanifita, a malikita, a shafi’ita e a hanbalita – esta última sendo a escola dominante na Arábia Saudita, e a escola seguida por Ahmad ibn Taymiyya (c.1263-1328) – o jurista mais citado por bin Laden em sua mensagem –, e Sayyid Qutb, além de outros líderes islamitas.
Este pronunciamento de bin Laden indicava uma mudança de foco em sua atuação pública, já que anteriormente, suas mensagens centravam-se no ataque à Casa Real saudita. Desde 1994, quando fundara o ARC (Advice and Reform Committee [Comitê de Conselho e Reforma]) – cujo escritório estava sediado em Londres, mas cujos comunicados eram preparados por bin Laden, no Sudão, onde vivia exilado –, os textos assinados por bin Laden pressionavam pela reforma na própria Arábia Saudita, e apontavam para a Casa Real como principal responsável pelas mazelas no reino. A partir da “Epístola Ladenesa”, seu principal alvo passa a ser os Estados Unidos.
A separação do mundo entre “eles” e “nós”, o que reflete a visão de Sayyid Qutb da separação do mundo entre jahiliyyah e Islã, é essencial para a vitimização do “povo do Islã” na retórica utilizada por Osama bin Laden nesse pronunciamento. Essa vitimização é discursivamente construída por meio da listagem dos supostos massacres impostos ao “povo do Islã” pela “aliança de sionistas e cruzados” – que, neste pronunciamento, refere-se especificamente aos Estados Unidos e Israel, mas também aos seus “colaboradores” (o regime saudita, governos pseudo-islâmicos corruptos e as Nações Unidas). E se, mesmo depois da listagem de todas as agressões ao “povo do Islã” citadas por bin Laden, restasse alguma dúvida de que um muçulmano devesse juntar-se à jihad contra a “aliança de sionistas e cruzados”, ele cita a maior de todas as agressões sofridas “desde a morte do profeta”: a “ocupação da Terra das Duas Mesquitas Sagradas” pelos americanos e seus aliados – a expressão “Terra das Duas Mesquitas Sagradas” (bilad al-haramayn, em árabe) é uma referência clássica à Península Arábica, terra onde estão as mesquitas de Meca e Medina. Por “ocupação”, ele refere-se à presença das tropas norte-americanas e aliadas na Arábia Saudita a partir da 2ª Guerra do Golfo, 1990-1991. Assim, bin Laden se esforça para convencer seus leitores de que o Islã está sob ataque e que, por isso, é hora de o “povo do Islã” reagir.
Ao longo de sua mensagem, Osama bin Laden aponta, pelo menos, seis razões para a jihad contra os Estados Unidos: 1) a presença norte-americana na “Terra das Duas Mesquitas Sagradas”; 2) a proteção dada pelos Estados Unidos a governos tiranos em terras muçulmanas; 3) o apoio norte-americano a Israel; 4) o apoio norte-americano a países que oprimem aos muçulmanos, especialmente Rússia, China e Índia; 5) a exploração perpetrada pelos norte-americanos das fontes de energia nas terras muçulmanas a preços abaixo do valor de mercado; e 6) a presença militar norte-americana em terras muçulmanas fora da Península Árabe.
E, antes de encerrar sua mensagem com uma prece de súplica a Deus por socorro, ele dirige seu clamor aos muçulmanos que leem sua mensagem:
[…] Meus irmãos muçulmanos ao redor do mundo: Vossos irmãos na Palestina e na Terra das Duas Mesquitas Sagradas clamam por vossa ajuda e vos pedem que tomeis parte na luta contra vosso inimigo comum, os norte-americanos e os israelenses. Eles pedem que façais o que puderdes, com vossos próprios meios e habilidades, para que, juntos, expulseis os inimigos, vencidos e humilhados, das terras santas do Islã. […][16]
Como essa primeira mensagem ladenesa recebeu críticas, por Osama bin Laden não possuir as qualificações necessárias para interpretar o Corão e emitir fatwas, sua segunda mensagem, de 1998, contou com a assinatura de apoio de líderes de quatro outras organizações jihadistas: Ayman al-Zawahiri (do Grupo Jihad, no Egito – e que substituiria bin Laden, após sua execução, como líder da al-Qa’ida); Abu-Yassir Rifa’i Ahmad Taha (Grupo Islâmico, no Egito); Mir Hamzah (Jamiat-ul-Ulema-e-Pakistan, no Paquistão); e Fazlul Rahman (Movimento Jihad, em Bangladesh). Uma vez mais, o texto enumera acusações contra a “aliança de sionistas e cruzados” e contra os Estados Unidos, e prossegue:
[…] Todos esses crimes e pecados cometidos pelos norte-americanos são uma clara declaração de guerra a Deus, a seu mensageiro e aos muçulmanos. E os sábios têm, no decorrer de toda a história islâmica, unanimemente concordado que a jihad é um dever individual compulsório se um inimigo ataca países muçulmanos. […] Com base nisso, e de acordo com a vontade de Deus, emitimos a todos os muçulmanos o seguinte julgamento:
Matar os norte-americanos e seus aliados, civis e militares, é um dever individual compulsório de todo muçulmano, em todo país onde se possa fazê-lo, para que a Mesquita de al-Aqsa e a Santa Mesquita sejam libertas de seu domínio, para que seus exércitos saiam de todas as terras do Islã, vencidos, derrotados e incapazes de ameaçarem qualquer muçulmano. […][17]
Esse é um texto bem mais radical em suas conclusões, mas possui um termo jurídico interessante na frase “[…] emitimos a todos os muçulmanos o seguinte hukm”, que aqui traduzimos como “julgamento”. Esse termo possui uma força menor que o termo fatwa, em se referindo a uma obrigação legal, de acordo com o direito islâmico, e seu uso pode indicar uma consciência da discordância que se ergueria contra seu “julgamento”. De qualquer maneira, há uma diferença gradativa entre a jihad pensada na primeira declaração de bin Laden e esta. Se no texto de 1996, a conclamação era que se expulsasse os norte-americanos e israelenses das terras do Islã, aqui, o dever é matar civis e militares dentre os norte-americanos e seus aliados – uma conclusão que exigiu, ao longo do texto, uma série de reconstruções e mutilações das citações corânicas para que seu argumento soasse convincente aos leitores.
4. Considerações Finais
Os escritos divulgados por Osama bin Laden demonstram uma crescente em seu radicalismo retórico, apesar do refinamento de seu uso linguístico e seu esforço para criar uma justificativa para seu apelo à jihad. O que pode-se perceber, contudo, é sua clara referenciação ao pensamento jihadista enraizado na tradição codificada por Sayyid Qutb. Sua preocupação, nos escritos, em apresentar razões específicas para suas empreitadas, e sempre alertando aqueles que considera como inimigos, segue o modelo de seu suposto mentor intelectual. Ousamos, assim, afirmar que a versão de Islã político de bin Laden pertencesse a uma tradição intelectual que tem se desenvolvido há, pelo menos, um século em países do Oriente Médio e de lá tem se expandido para outras partes do mundo, como resposta às necessidades dessas sociedades em lidarem com sua experiência ou percepção de aspectos da modernidade.
A importância da compreensão das origens de tais perspectivas políticas está no fato de as mesmas terem se tornado mais visíveis em nossos dias, e nem sempre se perceber aquilo que muitas vezes é visto apenas como uma questão religiosa ou o que é lido, em nossa sociedade, como uma busca da “democracia” ou “liberdade”. Em muitos dos conflitos políticos em países com uma população majoritariamente identificada como muçulmana – a chamada “Primavera Árabe” é um exemplo – o pensamento subjacente ao mover popular está enraizado em tradições islamitas, e olhar para o fenômeno social sem lentes cobertas por esteriótipos pode ajudar a desenvolver-se um entendimento de tais realidades.
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[1] DENOEUX, Guilain. The forgotten swamp: navigating political Islam. Middle East Policy, 9, 2 jun 2002, p. 61. [Tradução nossa do inglês.]
[2] BERGER, P. L. The desecularization of the world: a global overview. In: _______(ed.). The Desecularization of the World: Resurgent Religion and World Politics. Washington: Ethics and Public Policy Center, 1999. p. 7.
[3] Uma das muitas evidências dessa aberta multiformidade – que contradiria a compreensão tradicional do termo “fundamentalismo”, como qualificativo teológico – encontra-se num texto escrito pelo intelectual que discutiremos a seguir: “Frequentemente descobrimos que em questões de fé ou de crença abstrata, o Islã faz pronunciamentos específicos e definitivos, mas quando se trata de questões referentes à tradição ou a práticas sociais complexas, ele toma uma abordagem mais pragmática e medida […].” QUTB, Sayyid. In the Shade of the Qur’an [À sombra do Corão], vol. 1. Nova York: The Islamic Foundation, 2003. p. 281. [Tradução nossa do inglês.]
[4] QUTB, Sayyid. The America I Have Seen. Nova York: Islamic Publications International, 2000. p. 10.
[5] QUTB, Sayyid. Ma’alim fi’l-Tariq [Marcos à beira do caminho]. Amã, Jordânia: Maktabat al-Aqsa, 1981. p. 15. [Tradução nossa do árabe.]
[6] Ibid., p. 16-17.
[7] Ibid., p. 17-18.
[8] KEPEL, Gilles. Muslim Extremism in Egypt. Berkeley: University of California Press, 1993. p. 61-66.
[9] WRIGHT, Lawrence. The Looming Tower: Al-Qaeda and the Road to 9/11. Nova York: Alfred A. Knopf, 2006. p. 98.
[10] FISK, Robert. Anti-Soviet warrior puts his army on the road to peace: The Saudi businessman who recruited mujahedin now uses them for large-scale building projects in Sudan. The Independent, Londres, p. 10, 06 dez. 1993. [Tradução nossa do inglês.]
[11] DORRONSORO, G. Revolution Unending: Afghanistan, 1979 to the Present. Londres: C. Hurst & Co. Publishers, 2005.
[12] FISK, Robert. Ibid., p.10. [Tradução nossa do inglês.]
[13] KAPLAN, Robert D. Soldiers of God: With the Mujahidin in Afghanistan. Boston: Houghton Mifflin, 1990. p. 227.
[14] SCHULTHEIS, Rob. Night Letters: Inside Wartime Afghanistan. Nova York: Crown, 1992.
[15] BIN LADEN, Osama. Declaração de jihad contra os americanos ocupando a Terra das Duas Mesquitas Sagradas; Expulsai os hereges da Península Arábica. Al-Quds al-Arabi, Londres, p. 1, 23 ago 1996. [Tradução nossa do árabe.]
[16] Ibid., p. 12. [Tradução nossa do árabe.]
[17] BIN LADEN, Osama, et al. Nass Bayan al-Jabhah al-Islamiyah al-Alamiyah li Jihad al-Yahud wa-al-Salibiyin [Declaração de Jihad da Frente Islâmica Mundial Contra os Judeus e os Cruzados]. Al-Quds al-Arabi, Londres, p.3, 23 fev 1998. [Tradução nossa do árabe.]
“O Renascimento Islamita” ou “A Primavera Que Conseguiu Florescer”: Uma Breve Reflexão Sobre o Clamor do “sha’ab” na Primavera Árabe
Manifestação na praça Tahrir, Cairo. Egito, 08/07/2011.
Foto: Mohamed Abd El-Ghany/Reuters
[Originalmente publicado em 12 de julho de 2014.]
Gibson da Costa
Parece que ainda podemos ouvir os gritos dos manifestantes egípcios vociferarem as palavras que se tornaram o slogan da prévia duma nova era: ash-sha’b yurid isqat an-nizam (o povo quer derrubar o regime). Esse grito do sha’ab1, o povo – uma entidade até então impotente, se não inexistente, na política egípcia –, pareceu sinalizar, a partir de janeiro de 2011 (anteriorizado pelo levante na Tunísia, iniciado em dezembro de 2010, e pelos da Argélia, Jordânia e Omã, respectivamente), um novo momento na conturbada história egípcia e de alguns outros países do mundo árabe. Aquele grito, associado à brilhante construção semântica de Marc Lynch, que foi, supostamente, o primeiro a utilizar a expressão Primavera Árabe para se referir àqueles eventos em seu blog no sítio da revista Foreign Policy, em 6 de janeiro de 20112; mas também associado à suposta estratégia do governo de Barack Obama de apoderar-se dessa adjetivação para poder controlar a imagem do movimento e o caminho que o mesmo seguiria3, fez com que se pensasse que aquele movimento fosse uma revolução democrática à la americana/francesa. A pressão ocidental e o romantismo retórico de sua imprensa, e do mundo digital globalizado, entretanto, foram insuficientes para encapsular a experiência e as expectativas do sha’ab egípcio e do resto do mundo árabe.
O que é mais relevante sobre o slogan dos manifestantes egípcios é a diferença quando comparado aos costumeiros gritos revolucionários. Para os manifestantes, era insuficiente gritar “Abaixo o regime!”. Aqueles súditos de autocratas, ditadores, e imãs supostamente teocratas resolveram tomar em suas mãos a soberania popular, e em seu slogan adicionaram o singular coletivo “o povo quer”. O sha’ab agora afirmava sua existência. O sha’ab queria agora que sua voz fosse ouvida. O sha’ab queria escrever sua história coletiva sem amarras ditatoriais. E, se acreditássemos no que a imprensa e as autoridades políticas ocidentais queriam que acreditássemos, o sha’ab queria a democracia e a liberdade ocidentais. A emergência do próprio sha’ab, entretanto, representa, para nós, um sentido mais significativo daqueles movimentos que se alastraram pelo mundo árabe. Sua busca por uma alternativa política, entretanto, encontraria respostas numa tradição incompatível com a noção que a “opinião ocidental” tinha duma revolução democrática. A Primavera Árabe tornar-se-ia o Renascimento Islamita.
Faz-se importante, aqui, traçar uma clara distinção entre o Islã, uma religião, e aquilo que aqui chamamos de Islã político, uma ideologia sociopolítica baseada numa leitura específica do Islã. Enquanto, aqui, a religião islâmica/muçulmana é uma questão de identidade pessoal em diálogo com uma tradição religiosa, a ideologia sociopolítica islamita serve a uma agenda política específica. Esse é o sentido básico, mesmo que reconhecidamente limitado, que atribuímos a esses termos neste ensaio. Ademais, utilizamos o adjetivo “islamita” para referir-nos exclusivamente ao Islã político; enquanto utilizamos “muçulmano” e/ou “islâmico” como adjetivo relativo à religião do Islã.
Não surpreende a emergência política de partidos islamitas após os levantes iniciados em 2010, especialmente no que tange à Gamma’at al-ikhwan al-muslimun (a Irmandade Muçulmana do Egito). Por décadas, a Irmandade Muçulmana usou a repressão do regime para organizar suas redes sociais alternativas e construir uma imagem semi-heroica. A Irmandade transformou sua perseguição pelo regime em capital sociopolítico, permitindo-lhe recrutar novos membros e aumentar sua influência sobre diferentes grupos sociais. Ademais, com o passar do tempo, se ajustou às regras do jogo político, participando de eleições, construindo alianças com diferentes grupos políticos, e, em alguns momentos, estimulando a repressão do regime para aumentar seu apelo público. A eficiente rede social construída e mantida por ela provia de serviços de saúde e educação a abrigo para os mais pobres, o que tornou-se uma garantia de ganhos políticos entre uma grande parcela dos eleitores egípcios4.
A ideologia islamita, como aquela defendida pela Irmandade Muçulmana, difundiu-se como uma promessa messiânica entre jovens egípcios que haviam sido marginalizados pela modernização e, em sua visão, pelo status de haram (iniquidade) atribuído ao antigo regime. Essa ideologia político-religiosa constituía, para muitos jovens urbanos conservadores, a única alternativa ao mundo “ocidentalizado” e divorciado do Islã (apesar de não necessariamente laicizado) que se lhes impunha. Os líderes islamitas, assim, não tiveram problemas para ecoar entre esses jovens sua “sagrada missão” de estabelecer um “Estado Islâmico”. Décadas de tradição na defesa duma transformação tanto das estruturas políticas quanto das normas e valores sociais, para ajustá-los à sua visão, preparou o caminho para que os eleitores egípcios conhecessem a alternativa que se lhes apresentava. Portanto, mesmo considerando a direção pragmática tomada pela Irmandade após a “Primavera”, e mesmo antes, julgamos precipitadas as perspectivas que viam os levantes como uma “revolução pós-islâmica”5.
Pode ser verdade que os jovens que iniciaram as manifestações nas ruas egípcias não fossem, em sua maioria, islamitas, ou, mais especificamente, integrassem a Irmandade Muçulmana, como afirmava-se repetidamente em noticiários televisivos da Al Jazeera, da BBC, da CNN, da MSNBC, da TF1, da TVE e da Deutsche Welle que acompanhamos. Contudo, a julgar pelo que se seguiu no palco político daquele país, não é difícil imaginar que a Irmandade tenha se contido durante os levantes para evitar a repressão e para diminuir o temor ocidental de sua presença. Também, é importante recordar que a Irmandade Muçulmana não foi o único grupo islamita a participar do movimento, já que outros grupos menores e independentes – e mais radicias – se envolveram no levante. Assim, considerando o envolvimento de tais grupos com agendas políticas supostamente baseadas na religião, assim como a utilização de sermões religiosos em mesquitas ao redor do país para a mobilização das massas durante o período, não poderíamos aceitar a esperançosa visão de que aquela fosse uma “revolução pós-islâmica” – como se o Islã e, mais especificamente, a tradição islamita estivessem ausentes das alternativas mais imediatamente disponíveis ao sha’ab.
Diferentemente da visão esperançosa que Oliver Roy, por exemplo, articulou num artigo para o blog do The European Institute ainda em fevereiro de 2011, onde enfatizava o caráter pós-islâmico daquilo que chamou de “revolução”, em grande parte as demandas com as quais o sha’ab egípcio se engajou se revestiam dum ethos próprio ao mito muçulmano, e, assim, podiam manter uma comunicação com tradições islamitas mais moderadas. Logo, se é verdade que essas demandas se focavam em “valores humanos universais”6, a interpretação que faziam desses valores se revestiria duma roupagem mais próxima à sua própria experiência sociocultural – enormemente moldada pelo imaginário muçulmano. O autor, entretanto, não vira ainda, em fevereiro de 2011, como se dariam os acontecimentos políticos no Egito e nos demais países árabes atingidos por aqueles movimentos. Seu julgamento hoje, à luz do que resultaria daqueles levantes populares, só reforça a visão de que todo o otimismo que se criou foi deveras antecipado. Ao que nos parece, não havia, no Egito ou nos outros países da “Primavera Árabe”, uma alternativa política capaz de realizar uma tal “revolução pós-islâmica”.
Os resultados das eleições de fins de 2011 mostraram que, mesmo em disputas eleitorais relativamente livres, o sha’ab egípcio optaria pelos políticos islamitas, como já ocorrera nas eleições de 2005. Para as eleições de 2011, novos partidos islamitas de orientação salafista foram organizados. A soma dos deputados do Hizb al-Hurriya wal-‘Adala (Partido Liberdade e Justiça) – o partido da Irmandade Muçulmana7 – com os desses partidos salafistas somava cerca de dois terços da Assembleia Legislativa egípcia. Desses novos partidos, o mais numeroso e influente era o Hizb al-Nur8 [Partido da Luz], partido criado pela al-Da’wa al-Salafiyya [O Chamado Salafista], um movimento islamita radical. Além deles, reorganizou-se o Hizb al-Wasat [Partido do Centro], originalmente fundado em 1996, mas tornado ilegal subsequentemente, de orientação islamita moderada e defendendo uma visão bem tolerante e diversa do papel do Islã na sociedade9; e fundou-se o Hizb al-Benaa wa al-Tanmia10 [Partido da Construção e do Desenvolvimento], um partido islamita associado ao al-Jama’a al-Islamiyya [Grupo Islâmico].
Dos 498 deputados eleitos de forma direta – 10 outros eram indicados pelos militares no poder –, 235 eram do al-Hurriya wal-‘Adala, 121 do al-Nur, 10 do al-Wasat, 9 do al-Benaa, e os demais ficaram com partidos menores11. Em outras palavras, a grande maioria das vagas ficaram com partidos islamitas, partidos defensores, duma forma ou de outra, de ideologias baseadas numa visão particular da religião islâmica. Isso, em termos estatísticos, é mais do que suficiente para convencer-nos que o qualificativo de “revolução pós-islâmica” é equivocado no que concerne especificamente ao Egito.
Com isso, não queremos insinuar que o simples fato de o país possuir uma população majoritariamente muçulmana faria com que os eleitores automaticamente rejeitassem opções secularistas e empossassem um regime islamita. O que os eleitores buscaram após a “Primavera”, contudo, parece ter sido opções que representassem uma forte oposição ao regime deposto. Os variados grupos islamitas conseguiam representar bem isso por terem décadas de história na oposição, tendo sido perseguidos pelo regime deposto. Sua história dava-lhes credibilidade e legitimidade aos olhos da maioria dos eleitores egípcios. O mesmo, entretanto, não poderia ser dito dos partidos secularistas, fossem de orientação liberal ou socialista, por não terem uma história na oposição ao regime deposto.
Enquanto o regime deposto havia tentado controlar o establishment religioso, influenciando as lideranças religiosas da Universidade al-Azhar, e se esforçando para silenciar as oposições islamitas por décadas (e não apenas o regime deposto, como também os anteriores, desde pelo menos a emergência da Irmandade Muçulmana como força política), essas oposições continuaram – mesmo que ilegalmente – suas atividades sociais, políticas e religiosas na oposição ao regime. Pode-se supor que, na imaginação do sha’ab, a religião tornara-se o sinalizador dos grupos que tiveram a coragem de desafiar um regime ditatorial. A atitude desafiadora desses grupos, associada a suas obras sociais, deu-lhes um carisma que nenhum partido secularista conseguiu alcançar nas eleições que se seguiram aos levantes de 2011. Isso foi, contudo, o que ocorreu apenas no início da transição.
Como em todo drama político, não demorou muito para que os antigos heróis fossem, também, acusados de ineficiência, corrupção etc. Veio o golpe de 3 de julho de 2013, e a deposição do presidente Mohammed Morsy, membro da al-Hurriya wal-‘Adala, da Presidência do país. A Irmandade Muçulmana foi, mais uma vez, posta na ilegalidade. O próprio sha’ab demostrava-se, aparentemente, insatisfeito com a forma como o Egito estava, especialmente em termos econômicos e sociais. Os militares, insatisfeitos com seus inimigos no poder, aproveitaram-se da situação. Mais violência, mais caos12. Era o fim da “revolução pós-islâmica”?
O complexo contexto histórico, não apenas do Egito como também de toda a região, pode tornar toda a dinâmica sociopolítica e, consequentemente, eleitoral difícil de compreender. Como compreender a conciliação entre os anseios do sha’ab e suas escolhas eleitorais “livres” (talvez devêssemos, na verdade, tentar compreender o sentido de “liberdade” no contexto egípcio)?
Se um dia haverá uma “revolução pós-islâmica” no Egito, é muito cedo para saber – apesar de os especialistas não terem tido nenhum pudor em se apressar para identificar assim os eventos políticos no país e na região em 2011. Assim como se poderia dizer que também era cedo demais para qualificar como “revolução” as transformações políticas que se tentavam fazer – a depender de como se define “revolução”, claro. A verdadeira “revolução”, entretanto, e talvez a única que tenha realmente ocorrido tanto no Egito como em outros países atingidos pelo clima da “Primavera”, foi a revolução do sha’ab. Essa revolução pode ter sido trazida à tona pelo renascimento islamita, mas, se um dia haverá alguma mudança democrática permanente naquela sociedade, essa só poderá ocorrer por seu real senhor: o sha’ab.
Referências
EGYPT’S Islamist Parties win elections to Parliament. BBC, 21 jan 2012. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-middle-east-16665748>. Acesso em: 15 fev 2014.
Gamma’at al-ikhwan al-muslimun [Irmandade Muçulmana egípcia]: <http://www.ikhwanonline.com/>. Acesso em: 15 fev 2014.
Hizb al-Benaa wa al-Tanmia [Partido da Construção e do Desenvolvimento]: <http://benaaparty.com/>. Acesso em: 15 fev 2014.
Hizb al-Nur [Partido da Luz]: <http://www.alnourparty.org/ >. Acesso em: 15 fev 2014.
Hizb al-Wasat [Partido do Centro]: <http://www.alwasatparty.com/>. Acesso em: 15 fev 2014.
LYNCH, Marc. Obama’s Arab Spring [A Primavera Árabe de Obama]. Foreign Policy, 6 jan 2011. Disponível em: <http://mideastafrica.foreignpolicy.com/posts/2011/01/06/obamas_arab_spring>. Acesso em: 15 fev 2014.
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REVOLUÇÃO “pós-islâmica” afectará todo o sistema global. Diário de Notícias, 11 março 2011. Disponível em: <http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1803829&seccao=Europa&page=-1>. Acesso em: 15 fev 2014.
ROY, Oliver. Post-Islamic Revolution [Revolução pós-islâmica]. The European Institute, 17 fev 2011. Disponível em: <http://www.europeaninstitute.org/February-2011/qpost-islamic-revolutionq-events-in-egypt-analyzed-by-french-expert-on-political-islam.html>. Acesso em: 15 fev 2014.
SOCIAL programmes bolster appeal of Muslim Brotherhood [Programas sociais reforçam o apelo da Irmandade Muçulmana]. IRIN News, 22 fev 2006. Disponível em: <http://www.irinnews.org/report/26150/egypt-social-programmes-bolster-appeal-of-muslim-brotherhood>. Acesso em: 15 fev 2014.
WEDEMAN, Ben; SAYAH, Reza; SMITH, Matt. Coup topples Egypt’s Morsy; deposed president under ‘house arrest’. CNN, 4 jul 2013. Disponível em: <http://edition.cnn.com/2013/07/03/world/meast/egypt-protests/>. Acesso em: 15 fev 2014.
NOTAS:
1 Utilizaremos o termo árabe ao longo deste texto para nos referirmos ao “povo” por ele possuir um sentido retórico importantíssimo aqui, que não seria alcançado por uma tradução apenas aproximada.
2 LYNCH, Marc. Obama’s Arab Spring [A Primavera Árabe de Obama]. Foreign Policy, 6 jan 2011. Disponível em: <http://mideastafrica.foreignpolicy.com/posts/2011/01/06/obamas_arab_spring>. Acesso em: 15 fev 2014.
3 MASSAD, Joseph. The ‘Arab Spring’ and other American Seasons [A ‘Primavera Árabe’ e outras estações norte-americanas]. Al Jazeera, 29 ago 2012. Disponível em:<http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2012/08/201282972539153865.html>. Acesso em: 15 fev 2014.
4 SOCIAL programmes bolster appeal of Muslim Brotherhood [Programas sociais reforçam o apelo da Irmandade Muçulmana]. IRIN News, 22 fev 2006. Disponível em: <http://www.irinnews.org/report/26150/egypt-social-programmes-bolster-appeal-of-muslim-brotherhood>. Acesso em: 15 fev 2014.
5 REVOLUÇÃO “pós-islâmica” afectará todo o sistema global. Diário de Notícias, 11 março 2011. Disponível em:
<http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1803829&seccao=Europa&page=-1>. Acesso em: 15 fev 2014.
6 ROY, Oliver. Post-Islamic Revolution [Revolução pós-islâmica]. The European Institute, 17 fev 2011. Disponível em: <http://www.europeaninstitute.org/February-2011/qpost-islamic-revolutionq-events-in-egypt-analyzed-by-french-expert-on-political-islam.html >. Acesso em: 15 fev 2014.
7 Sítio oficial da Gamma’at al-ikhwan al-muslimun [Irmandade Muçulmana egípcia]: <http://www.ikhwanonline.com/>. Acesso em: 15 fev 2014.
8 Sítio oficial do Hizb al-Nur [Partido da Luz]: <http://www.alnourparty.org/>. Acesso em: 15 fev 2014.
9 Sítio oficial do Hizb al-Wasat [Partido do Centro]: <http://www.alwasatparty.com/>. Acesso em: 15 fev 2014.
10 Sítio oficial do Hizb al-Benaa wa al-Tanmia [Partido da Construção e do Desenvolvimento]: <http://benaaparty.com/>. Acesso em: 15 fev 2014.
11 EGYPT’S Islamist Parties win elections to Parliament. BBC, 21 jan 2012. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-middle-east-16665748>. Acesso em: 15 fev 2014.
12 WEDEMAN, Ben; SAYAH, Reza; SMITH, Matt. Coup topples Egypt’s Morsy; deposed president under ‘house arrest’. CNN, 4 jul 2013. disponível em: <http://edition.cnn.com/2013/07/03/world/meast/egypt-protests/>. Acesso em: 15 fev 2014.